Governo fecha acordo e pagará R$ 4,7 bi à massa falida da Varig

A Advocacia Geral da União (AGU), anunciou, nesta sexta-feira (22/03), que fechou um acordo para pagar R$ 4,7 bilhões em indenização à massa falida da Viação Aérea Rio-Grandense S.A. (Varig). O valor acordado é superior ao bloqueado pela Fazenda, em R$ 2,9 bilhões, para buscar o déficit zero neste ano.

A empresa, que foi a maior área brasileira e operou por quase 80 anos, até 2006, questionava o congelamento tarifário realizado durante o governo do presidente José Sarney, com o Plano Cruzado, de 1986. Na ação, ajuizada ainda nos anos 1990, a Varig alegava que teve prejuízos bilionários com o congelamento no valor das passagens aéreas pelo governo federal mesmo com os custos de combustível, estabelecidos no mercado internacional, subindo sem parar.

A União já estava condenada em todas as instâncias, inclusive no Supremo Tribunal Federal (STF), desde 2014. Na época, cálculos preliminares indicavam que a indenização deveria superar os R$ 6 bilhões. Apesar do acordo ter reduzido significativamente o valor a ser pago pelo governo, a indenização ainda está entre as maiores já determinadas pela justiça brasileira, que ainda tem no topo da lista o acordo para reparação pela Companhia Vale do desastre de Mariana, que somou R$ 37,68 bilhões.

Com o acerto entre a União e a massa falida da Varig, termina um litígio judicial de mais de 30 anos e garante o pagamento das dívidas trabalhistas deixadas pela companhia depois da falência. Ainda esperam receber as verbas trabalhistas pelo menos 15 mil ex-empregados da aérea. Com uma dívida bilionária da empresa com o fundo de pensão dos funcionários, o Aerus, milhares de aposentados e pensionistas também ficaram sem receber depois que a companhia encerrou suas atividades.

O acordo foi autorizado pela 1ª Vara Empresarial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, onde ainda tramita o processo de falência da aérea. O entendimento foi assinado pelo advogado-geral da União, Jorge Messias, pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, além da administradora da massa falida e outros representantes da AGU e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).

Agora o próximo passo será a expedição do precatório para esses pagamentos, mas a expectativa é que o governo federal só meta a mão no bolso ao longo do próximo ano.

Segundo a AGU, a quantia será suficiente para quitar todas as dívidas trabalhistas, que são estimadas em R$ 1 bilhão, além dos atrasados do Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FGTS) dos ex-empregados, estimado em R$ 560 milhões, que o governo promete quitar à vista em 2025.

“O acordo assegura, a um só tempo, economia para os cofres públicos, arrecadação para a dívida ativa da União e pagamento a dezenas de milhares de credores trabalhistas, inclusive quanto ao FGTS, que terá a sua maior transação da história”, apontou a procuradora-geral da Fazenda Nacional, Anelize de Almeida.

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Veja como se dividiram os ministros do STF na derrubada da ‘revisão da vida toda’ do INSS, que custaria R$ 480 bi à União

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu ontem que os segurados não podem escolher o regime mais benéfico para sua aposentadoria do INSS. Na prática, esse entendimento inviabiliza a chamada revisão da vida toda dos benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social, que fora autorizada pela própria Corte em outra ação. A decisão foi tomada por 7 votos a 4.

A reviravolta representa um alívio nas contas do governo federal, que calcula oficialmente um impacto de R$ 480 bilhões.

Essa vitória do governo, com uma reviravolta numa tese que já havia sido validada pelo Supremo, começou a ser desenhada com o voto dos dois mais novos ministros da Corte, Cristiano Zanin e Flávio Dino, indicados pelo presidente Lula.

Eles foram acompanhados pelo presidente do STF, Luís Roberto Barroso, Nunes Marques, Luiz Fux, Gilmar Mendes Dias Toffoli. Do outro lado ficaram Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Cármen Lúcia e André Mendonça.

A revisão da vida toda é discutida nos tribunais há mais de duas décadas. Em 2022, o plenário do STF havia decidido que o mecanismo é constitucional. Isso significa que todas as contribuições previdenciárias feitas ao INSS pelos trabalhadores no período anterior a julho de 1994 (quando entrou em vigor o Plano Real, que estabilizou a economia e deu fim à hiperinflação no país) poderiam ser consideradas no cálculo das aposentadorias.

Isso tinha o potencial de aumentar os rendimentos de parte dos aposentados que recebiam salários maiores e que não foram considerados para o cálculo do benefício, ou seja, para parte dos segurados poderia significar uma regra mais vantajosa. Mas o custo financeiro para o governo seria alto.

A origem do imbróglio

Essa mudança de posição do STF só foi possível porque a decisão de 2022 não chegou a entrar em vigor. Isso porque ainda há um recurso pendente contra ela, ingressado pelo governo. Esse recurso também estava na pauta de ontem, mas antes os ministros decidiram analisar outras duas ações que questionam alterações no sistema previdenciário promovidas por uma lei de 1999 que criou o fator previdenciário — a reforma da Previdência do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso.

O fator previdenciário é uma fórmula matemática para definir o valor das aposentadorias e foi adotado na época para incentivar que o segurado trabalhasse por mais tempo. A Reforma da Previdência de 2019 substituiu o fator, mas ele ainda é usado para quem se encaixa nas chamadas regras de transição.

Ao analisar essas ações, os ministros do STF aprovaram uma tese que estabelece que o segurado não pode optar pela regra mais favorável. Por maioria, o tribunal entendeu que os segurados não têm direito de opção, mesmo que a regra seja mais benéfica a ele. É uma decisão exatamente oposta à revisão da vida toda.

Prevaleceu a posição apresentada pelo ministro Cristiano Zanin, de que as regras estabelecidas na lei de 1999 não poderiam ser opcionais. Ele ingressou na Corte em agosto do ano passado após ser indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

— Foram previstas três regras específicas, inclusive uma de transição, justamente para se preservar o equilíbrio do sistema previdenciário. Não me parece possível, portanto, que com a declaração da constitucionalidade essa regra de transição possa ser de natureza optativa — afirmou.

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O ministro Flávio Dino, que também entrou no STF depois do julgamento original da revisão da vida toda, também seguiu o voto de Zanin. Eles foram acompanhados por Luiz Fux, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso. Nunes Marques, que era o relator, havia votado no sentido oposto, mas alterou seu voto com a maioria já formada.

Moraes deixa plenário antes do fim

Já o ministro Alexandre de Moraes, que liderou a posição vencedora no julgamento da revisão da vida toda, considerou que a mudança não poderia prejudicar os segurados. O ministro chegou a deixar o julgamento antes da sua conclusão. Ele se queixa das idas e vindas do STF nessa questão.

— O segurado deve ter a opção de falar: “não, eu quero a aplicação da regra geral; eu agradeço o que o legislador fez por mim, para melhorar a minha situação, só que eu quero ser tratado igual todo mundo; eu quero a regra geral de todos os salários de contribuição” — afirmou o ministro.

‘Ninguém fica feliz’

Concordaram com Moraes os ministros André Mendonça, Edson Fachin e Cármen Lúcia. Barroso, que é presidente do STF, acompanhou Zanin e afirmou que “ninguém fica feliz” de não favorecer os segurados, mas ressaltou que é preciso garantir a “integridade do sistema” previdenciário:

— Todos nós gostaríamos de dar o máximo possível a todas as pessoas. Mas nós também temos que zelar pelo que consideramos a integridade do sistema, se não perdem todos.

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Com o resultado da votação, a revisão da vida toda fica prejudicada, já que os segurados poderão seguir apenas as regras do fator previdenciário, sem direito à escolha.

A decisão tomada ontem prevalece sobre a da revisão da vida toda, de 2022, porque é resultado do julgamento de duas ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs), classe processual que tem mais força.

AGU: ‘grande vitória’ que evita ‘caos’

Barroso preferiu pautar as ADIs antes de discutir o recurso da revisão da vida toda em si. A votação desse recurso já começou no plenário virtual do STF e, inclusive, teve votos de ministros agora aposentados. Por isso, no entendimento de Barroso, segundo interlocutores, era preferível votar antes uma ação com mais peso jurídico.

Desde o fim do ano passado, a AGU tem feito um corpo a corpo com todos os ministros da Corte. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também atuou para reverter o entendimento do STF sobre o processo da revisão da vida toda.

O advogado-geral da União, Jorge Messias, que passou a tarde no STF, comemorou a decisão:

— Uma grande vitória para o Estado brasileiro.

Em nota, a Advocacia-Geral da União (AGU) considerou a decisão do STF “paradigmática” ao Estado brasileiro. Na nota, a AGU afirma ainda que a decisão evita um cenário de “caos” administrativo no INSS. Uma das dificuldades caso o processo da revisão da vida toda fosse mantido seria recuperar os dados dos segurados. Registros anteriores a 1994 estão em papel e ainda não foram digitalizados.

“A decisão do STF garante segurança jurídica e confirma entendimento fixado pelo próprio Tribunal há mais de 20 anos”, concluiu a AGU.

Embratur encabeça programa piloto para ampliação da conectividade aérea internacional

Embratur encabeça programa piloto para ampliação da conectividade aérea internacional (Jaqueline Gil é diretora de Marketing Internacional, Negócios e Sustentabilidade da Embratur, agência responsável pela execução do programa. (Foto: divulgação))

Conectividade internacional: foi publicado no Diário Oficial da União (DOU), nesta quarta-feira (20), o primeiro edital do Programa de Aceleração do Turismo Internacional (PATI), iniciativa que prevê a realização de parceria público-privada com as companhias aéreas e aeroportos para a ampliação no número de assentos e voos internacionais com destino ao Brasil.

O programa é executado pela Embratur, com recursos do Fundo Nacional de Aviação Civil (FNAC) oriundos de parceria entre os ministérios do Turismo e o de Portos e Aeroportos. Nesta primeira fase, de testes e ajustes da nova ferramenta de atração de voos, a previsão de investimento é de ao menos R$ 7 milhões, sendo metade custeado com recursos públicos.

O edital público do PATI convida as companhias aéreas e aeroportos (em parceria com as companhias) a lançarem novos voos internacionais com destino ao Brasil, e apresentarem propostas de investimento em promoção destes novos voos, com ações como campanhas publicitárias no país de origem dos voos e realização de viagens promocionais com jornalistas, influenciadores digitais e operadores de turismo estrangeiros no destino dos voos, dentre outras possibilidades.

Como o programa de fomento à conectividade irá funcionar

A contrapartida da Embratur é financeira: com recursos do FNAC, a Agência vai custear parte das ações de promoção destas novas rotas aéreas. Serão R$ 40 por cada assento em novo voo que pouse no Brasil durante o período de 27 de outubro de 2024 a 29 de março de 2025. O edital prevê pontuações crescentes para as propostas que projetem o investimento privado maior que o público, ao tempo que estabelece penalidade na pontuação das propostas com contrapartidas menores que o valor investido pela Embratur.

Um programa com essas características nunca foi realizado no Brasil. Políticas de fomento similares, executadas por países como Reino Unido, Espanha, Irlanda e Suécia, serviram de referência para a produção do PATI.

Durante a cerimônia de lançamento do PATI, o presidente da Embratur, Marcelo Freixo, destacou que “o alcance das metas de crescimento do turismo internacional no Brasil está intrinsecamente associado a um fator de mercado, que é a conectividade aérea.” “Não adianta o crescente interesse internacional em conhecer o Brasil se não houver voo direto ou com conexões curtas, em preço competitivo. Com esse programa, adaptamos para nossa realidade as melhores práticas internacionais de atração de novos voos”, complementou Freixo.

O ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, também acredita que o programa irá ajudar a aumentar o número de visitantes internacionais, gerando mais emprego e renda para a população. “O Brasil tem uma grande janela de oportunidades com o mercado internacional para, cada vez mais, poder trazer turistas e estrangeiros. (…) Estamos trabalhando para, ao lado das concessionárias, ampliar esse plano de investimentos para, cada vez mais, terem aeroportos estruturados, sobretudo aeroportos que vão receber o turista estrangeiro que vem

visitar o Brasil”, ressaltou.

Para a secretária-executiva do Ministério do Turismo, Ana Carla Machado Lopes, o lançamento do edital pode representar um divisor de águas na ampliação da nossa conectividade internacional. “Marcamos o início de uma inédita estratégia de atração de voos e de visitantes internacionais no Brasil. (…) O incentivo à ampliação de voos e assentos disponíveis em aeronaves representa o passo fundamental rumo à adequada conectividade do Brasil com o mundo”, afirmou.

Conectividade internacional: de olho no mercado

Para pleitear o recurso, a companhia tem que garantir um crescimento da malha aérea, em comparação à da temporada 2023/2024, e os recursos estarão vinculados aos novos assentos. O edital também estabelece critérios que privilegiam voos que decolem de países considerados “mercados estratégicos”, porque já emitem uma grande quantidade de turistas para o Brasil ou porque são grandes emissores internacionais, ainda que não possuam atualmente grande relevância para o turismo do país.

É o caso, por exemplo, da Alemanha e da China, segundo e terceiro maiores emissores de turistas no mundo, mas que ocupam apenas a oitava e a vigésima posição entre os que mais visitam o Brasil, respectivamente. Em 2023, mais de 60% dos turistas alemães que visitaram o Brasil vieram em voos com conexão em outros países da Europa, o que evidencia a baixa conectividade com este país. Já os voos da China para o Brasil retomarão apenas em maio deste ano.

Como forma de induzir a ampliação da conectividade entre a maior quantidade de países, com voos diretos para diferentes destinos no Brasil, também serão privilegiadas para participar do PATI as propostas de criação de rotas que decolem de aeroportos que não tem voo direto para o Brasil, ou de países que não tem voo direto para o aeroporto brasileiro. A frequência semanal maior do voo também é premiada com maior pontuação, assim como a conveniência do horário de chegada e partida, com preferência para o intervalo entre 9h e 18h, mais atrativo para os turistas que chegam ao país.

Sustentabilidade também é critério

Por fim, serão melhor ranqueadas as propostas que usarem aeronaves mais modernas, que emitem menos carbono na atmosfera, e as empresas que assumiram acordos para o alcance dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU, com políticas de sustentabilidade e meio ambiente, combate ao tráfico de pessoas, atendimento à mulher, inclusão social e diversidade.

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Apenas dez países e territórios têm qualidade do ar dentro do recomendado pela OMS

Apenas 10 países e territórios de uma lista de 134 atingiram os padrões da OMS (Organização Mundial da Saúde) para poluição do ar no ano passado, de acordo com dados de qualidade do ar compilados pela IQAir, uma empresa suíça.

A poluição estudada é chamada de material particulado fino, ou PM2.5, porque se refere a partículas sólidas com menos de 2,5 micrômetros de tamanho: pequenas o suficiente para entrar na corrente sanguínea. O PM2.5 é a forma mais letal de poluição do ar, levando a milhões de mortes prematuras a cada ano.

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“A poluição do ar e as mudanças climáticas têm a mesma causa, que são os combustíveis fósseis”, disse Glory Dolphin Hammes, CEO da divisão norte-americana da IQAir.

A Organização Mundial da Saúde estabelece uma diretriz de que as pessoas não devem respirar mais do que 5 microgramas de material particulado fino por metro cúbico de ar, em média, ao longo de um ano. A Agência de Proteção Ambiental dos EUA recentemente propôs endurecer o padrão de 12 para 9 microgramas por metro cúbico.

Os poucos oásis de ar limpo que atendem às diretrizes da OMS são principalmente ilhas, bem como a Austrália e os países nórdicos da Europa, Finlândia e Estônia. Entre os que não atingem o padrão recomendado, onde a grande maioria da população humana vive, os países com pior qualidade do ar foram principalmente os da Ásia e da África.

Os quatro países mais poluídos no ranking da IQAir para 2023 —Bangladesh, Paquistão, Índia e Tajiquistão — estão no sul e no centro da Ásia.

Sensores de qualidade do ar em quase um terço das cidades da região apontaram concentrações de material particulado fino mais de dez vezes acima da diretriz da OMS. Isso foi uma proporção “vastamente superior a qualquer outra região”, escreveram os autores do relatório.

Os pesquisadores apontaram o tráfego de veículos, emissões de carvão e industriais, especialmente de fornos de tijolos, como principais fontes da poluição da região. Agricultores queimando sazonalmente seus resíduos de colheita contribuem para o problema, assim como domicílios que queimam madeira e esterco para aquecimento e cozimento.

China Reverteu Ganhos Recentes

Uma mudança notável em 2023 foi um aumento de 6,3% na poluição do ar da China em comparação com 2022, após pelo menos cinco anos de melhoria. Pequim teve um aumento de 14% na poluição por PM2.5 no ano passado.

O governo anunciou uma “guerra contra a poluição” em 2014 e vinha progredindo desde então. Mas a maior queda na poluição por PM2.5 da China aconteceu em 2020, quando a pandemia forçou grande parte da atividade econômica do país a desacelerar ou fechar. Dolphin Hammes atribuiu o aumento do ano passado a uma economia em reabertura.

E os desafios permanecem: 11 cidades na China relataram níveis de poluição do ar no ano passado que excederam as diretrizes da OMS em dez vezes ou mais. A pior foi Hotan, em Xinjiang.

Grandes Lacunas nos Dados

Os pesquisadores da IQAir analisam dados de mais de 30 mil estações de monitoramento de qualidade do ar e sensores em 134 países, territórios e regiões disputadas. Algumas dessas estações de monitoramento são administradas por agências governamentais, enquanto outras são supervisionadas por organizações sem fins lucrativos, escolas, empresas privadas e cientistas cidadãos.

Existem grandes lacunas no monitoramento da qualidade do ar ao nível do solo na África e no Oriente Médio, incluindo regiões onde dados de satélite mostram alguns dos níveis mais altos de poluição do ar na Terra.

Enquanto a IQAir trabalha para adicionar dados de mais cidades e países nos próximos anos, “o pior pode estar por vir em termos do que estamos medindo”, disse Dolphin Hammes.

Fumaça de Incêndios Florestais: um Problema Crescente

Embora a América do Norte seja uma das regiões mais limpas do mundo, em 2023 incêndios florestais queimaram 4% das florestas do Canadá, uma área aproximadamente do tamanho de metade da Alemanha, e prejudicaram significativamente a qualidade do ar.

Normalmente, a lista de cidades mais poluídas da América do Norte é dominada pelos Estados Unidos. Mas, no ano passado, as 13 primeiras posições foram ocupadas por cidades canadenses, muitas delas em Alberta.

Nos Estados Unidos, cidades no Meio-Oeste e nos estados do Atlântico Médio também receberam quantidades significativas de poluição por PM2.5 da fumaça de incêndios florestais que se deslocou pela fronteira.

Riscos da Exposição a Curto Prazo

Não é apenas a exposição crônica à poluição do ar que prejudica a saúde das pessoas.

Para pessoas vulneráveis como bebês e idosos, ou aqueles com comorbidades, respirar grandes quantidades de poluição por material particulado fino por apenas algumas horas ou dias às vezes pode ser mortal. Cerca de um milhão de mortes prematuras por ano podem ser atribuídas à exposição a curto prazo de PM2.5, de acordo com um estudo global recente publicado na The Lancet Planetary Health.

O problema é pior no leste e sul da Ásia, bem como na África Ocidental.

Sem considerar as exposições a curto prazo, “podemos estar subestimando a carga de mortalidade da poluição do ar”, disse Yuming Guo, professor da Universidade Monash em Melbourne, Austrália, e um dos autores do estudo.

Empresas aéreas cancelam voos SP-RJ por mau tempo mesmo sem intempéries

Quase metade dos cancelamentos de voos da ponte aérea no ano passado feitos sob alegação de má condição climática em um dos aeroportos ocorreu em dias nos quais nem Congonhas (São Paulo) nem Santos Dumont (Rio de Janeiro) fecharam um minuto sequer.

Empresas aéreas, especialistas e a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) afirmam que a identificação de mau tempo inclui outras variáveis além do fechamento do aeroporto, como modelo da aeronave, certificados dos pilotos e rajadas de ventos momentâneas.

Contudo, o levantamento mostra cancelamentos em dias nos quais tanto Congonhas como o Santos Dumont operavam nas melhores condições climáticas possíveis. Uma das companhias aéreas reconheceu o erro na justificativa dada em um dos casos apontados.

Como mostrou reportagem da Folha, as companhias apresentaram no ano passado justificativas divergentes aos dois aeroportos para cancelar voos da ponte aérea. Há também um vácuo na fiscalização dessas informações, já que nenhum órgão do setor assumiu a responsabilidade pela tarefa.

Toda rota de voo utiliza dois slots: um no aeroporto de partida e outro no de chegada. Ao cancelar um voo da ponte aérea, as companhias são obrigadas a apresentar uma justificativa para cada um dos aeroportos por não utilizarem o espaço reservado a elas.

A cobrança ocorre porque Santos Dumont e Congonhas são considerados aeroportos coordenados, em que há intensa disputa por uma posição a ser operada.

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Resolução da Anac exige das empresas um índice de utilização de 80% dos slots. No entanto, não são considerados no cálculo cancelamentos por motivos fora da capacidade de gerenciamento das empresas, como má condição climática.

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Dos 2.004 cancelamentos de voos nessa rota, 634 indicaram em ao menos uma das justificativas condição climática adversa no aeroporto de partida ou de chegada (código 71 e 72 da portaria da Anac sobre o tema). O levantamento não inclui mau tempo na rota (código 73).

Neste grupo, 279 (14% do total e 44% dos cancelamentos por mau tempo) ocorreram em dias nos quais nenhum dos dois aeroportos fechou.

Entre os 634 voos cancelados com indicação de má condição climática em um dos aeroportos, também foi identificado 368 divergências em relação ao código atribuído no outro ponto da rota (partida ou chegada).

Além disso, em 121 desses cancelamentos, o outro código atribuído não confere abono no cálculo do índice (6% do total de cancelamentos ou 19% dos que indicam mau tempo em um dos aeroportos).

Foi, por exemplo, o que ocorreu com o voo 3916 da Latam, que partiria às 14h do dia 25 de maio do ano passado de Congonhas para Santos Dumont. No aeroporto de partida, a empresa atribuiu o código 99 (“motivos diversos”) para justificar a não utilização do slot —causa não abonável no índice de regularidade. No de chegada, porém, incluiu o código 72 (“problema no aeroporto de destino causado por condições climáticas adversas”).

Dados da Rede de Meteorologia da Aeronáutica mostram, porém, que o Santos Dumont operou em condições visuais ao longo de todo o dia —são as melhores condições de voo, segundo especialistas ouvidos pela reportagem. Não houve, também, qualquer fenômeno naquele dia que impedisse o pouso.

Algo semelhante ocorreu com o voo 1031 da Gol em 29 de março de 2023, que sairia do Santos Dumont em direção a Congonhas às 14h40. A companhia atribuiu o código 72 como justificativa do cancelamento nos dois aeroportos.

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O aeroporto de São Paulo operou ao longo de quase todo o dia em VFR (operação segundo as regras do voo visual), tendo uma leve piora apenas as 17h —mais de uma hora depois do horário previsto para pouso do voo. A companhia reconheceu o erro na atribuição do código, mas afirma que o correto seria outra justificativa também abonável no índice de regularidade —colisão de aeronave com um pássaro.

Entre as divergências nas justificativas, há também casos de contradição flagrante. Em 32 voos, o motivo dado para o cancelamento no aeroporto de partida foi má condição climática no de chegada (código 72), enquanto no de destino foi apontado motivo inverso: mau tempo na partida (código 71). Um é da Azul e os 31 restantes, da Latam.

A indicação de má condição climática em ao menos um dos aeroportos foi mais comum na Azul. Ela aparece em 85% dos 129 voos cancelados nesta rota no ano passado. Neste grupo da companhia, há divergência entre os códigos em 30% dos casos. Em 9%, a outra justificativa dada não confere abono.

A Latam inclui os códigos 71 e 72 em 44% dos cancelamentos que realizou no período nesta rota. Em 30% houve divergência entre os códigos, e em 10% a outra causa impacta no cálculo do índice de regularidade.

A Gol foi a que proporcionalmente menos usou condição climática adversa nos aeroportos como justificativa (6% dos cancelamentos).

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O coordenador do curso de Aviação Civil da Universidade Anhembi Morumbi, Alexandre Kaperaviczus, diz que o aeroporto estar aberto não é o suficiente para indicar a possibilidade de pouso e decolagem.

“Não basta o aeroporto estar aberto. Isso é decisão do piloto. Ele vai analisar os dados meteorológicos. Dentro do avião, ninguém toma decisão se não for o piloto”, afirma.

Aroldo Soares, mestre em segurança de voo pelo ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), diz que há aeronaves que têm limitações específicas. Rajadas de vento, mesmo em boas condições meteorológicas, podem impedir a decolagem e o pouso. Ele afirma, porém, que há a possibilidade de uso sem critério da justificativa.

“Usam esse termo ‘condições meteorológicas’ para tudo, quando na verdade são outros fatores que acabam interferindo.”

Nem todas as adversidades climáticas fecham aeroporto, diz Anac

Em nota, a Anac diz que “nem todas as adversidades climáticas se referem à visibilidade mínima, que é o parâmetro típico para que um aeródromo declare operação abaixo dos mínimos”.

“Condições climáticas adversas abarcam um escopo amplo de incidências climatológicas. Além de chuva forte, são consideradas condições climáticas adversas ventos fortes que possam interferir no equilíbrio da aeronave durante uma manobra de aproximação ou neblinas que prejudiquem a visibilidade, por exemplo”, afirma a agência.

“O próprio impacto da meteorologia em operações é amplamente relativo e dependerá de aspectos como os procedimentos de segurança operacional da empresa e do piloto que comanda o voo, o próprio horário da operação, entre outros. Trata-se, portanto, de um dado complexo e de avaliação metódica”, diz a nota.

A agência não comentou os casos de divergência nas justificativas, por afirmar não ter a atribuição para fiscalizar os motivos de não utilização dos slots.

A Azul afirma que “pousos e decolagens podem ser afetados por uma série de fatores, decisões operacionais da tripulação ou do centro de operações da companhia, seja por ventos fortes, incidência de chuvas, contingenciamento de tráfego aéreo e outros fatores, mesmo que o aeroporto esteja apto e aberto para operações”.

A Latam diz que “a maior parte dos cancelamentos ocorre por questões alheias ao seu controle” e que registrou “95% de regularidade nos voos da ponte aérea” no ano passado.

“Quando uma aeronave é impossibilitada de decolar ou pousar em algum aeroporto por situações alheias ao seu controle, como questões meteorológicas ou de infraestrutura, os demais voos programados para aquela aeronave podem ser impactados em uma espécie de ‘efeito cascata'”, diz a companhia.

A companhia não se posicionou sobre o cancelamento voo 3916 do dia 25 de maio.

A Gol afirma que voos podem ser afetados por um efeito cascata de cancelamentos causados por má condições climáticas em outros aeroportos —motivo não incluído nos códigos 71 e 72, usados no levantamento.

“Os aviões não estão restritos a rotas específicas diariamente, e entram numa escala conhecida como ‘trilho’, utilizando um jargão do setor aéreo. No mesmo dia, as aeronaves, assim como as tripulações, podem atender de dois a sete aeroportos distintos, obedecendo a um trilho previamente planejado. Essa versatilidade, embora valiosa, também significa que condições adversas em qualquer uma dessas localidades pode impactar negativamente as etapas subsequentes da aeronave”, diz a companhia.

A companhia, porém, reconheceu equívoco na atribuição do código 72 para justificar o cancelamento do voo 1031 do dia 29 de março do ano passado. A Gol afirma que ele ocorreu em razão da colisão de uma aeronave com um pássaro em Congonhas, o que levou ao fechamento temporário do aeroporto.

“A Gol salienta que tanto o código 72 (meteorologia adversa no aeroporto de destino) como o 81 (tráfego aéreo) são usados em situações não gerenciáveis pela empresa aérea.”

Investigação do governo Lula sobre Lava Jato esbarra em acesso a dados

Apurações abertas pelo governo Lula (PT) com o objetivo de responsabilizar agentes públicos por suspeitas de irregularidades cometidas durante a Operação Lava Jato enfrentam dificuldades na obtenção de informações de outros órgãos e, mais de seis meses depois de anunciadas, estão inconclusas.

Essas investigações foram iniciadas em meio a uma revisão dos procedimentos da operação, que tem sido defendida por uma ala de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), como Dias Toffoli e Gilmar Mendes, além do próprio presidente Lula.

Lula, que ficou preso por 580 dias devido a condenações oriundas da Lava Jato, teve os processos contra ele anulados após decisões do Supremo.

Em setembro do ano passado, Toffoli mandou anular todas as provas oriundas do acordo de leniência da Odebrecht (atualmente Novonor), em uma decisão que chamava a prisão de Lula de “um dos maiores erros judiciários da história do país”.

Ao mesmo tempo, intimou a AGU (Advocacia-Geral da União) para que o órgão iniciasse apuração “para fins de responsabilização civil pelos danos causados pela União e por seus agentes” em virtude do que o ministro chamou de práticas ilegais.

À época, a AGU anunciou a criação de uma força-tarefa com o objetivo de “promover a reparação de danos causados por decisões proferidas pelo Juízo da 13ª Vara Federal Criminal da Subseção Judiciária de Curitiba-PR, contra Luiz Inácio Lula da Silva, atual presidente da República, bem como por membros do Ministério Público Federal no âmbito da chamada ‘Operação Lava Jato’”.

Na divulgação, o advogado-geral da União, Jorge Messias, afirmava que, “uma vez reconhecidos os danos causados, os desvios funcionais serão apurados, tudo nos exatos termos do que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal”.

Essas apurações ficaram sob responsabilidade de um dos braços da AGU, a Procuradoria Nacional da União de Patrimônio Público e Probidade.

Após a decisão de Toffoli, a AGU expediu ofícios com solicitações de informações a uma série de órgãos de fiscalização, com o objetivo de fundamentar eventuais processos.

Os pedidos foram enviados à PGR (Procuradoria-Geral da República), ao CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e ao TCU (Tribunal de Contas da União).

Também foram requisitados dados do DRCI (Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional do Ministério da Justiça).

Nesses ofícios, a AGU pedia informações sobre a abertura de eventuais investigações que tratem dos dados mencionados na decisão de Toffoli, além de uma solicitação de compartilhamento das informações existentes.

Os dados serviriam para embasar as ações de pedidos de recuperação de recursos.

Até o momento, porém, apenas o TCU e o DRCI forneceram à AGU as informações solicitadas. O órgão, por sua vez, ainda não apresentou peças à Justiça com o objetivo de ressarcimento de recursos.

A decisão de Toffoli apresentada no ano passado aconteceu em meio a uma tentativa de reaproximação do ministro do Supremo com Lula, que foi quem o indicou à corte, em 2009. Quando Lula estava preso em Curitiba, o ministro impediu que ele fosse ao velório do irmão Genival Inácio da Silva, o Vavá, que morreu em 2019.

Na decisão que anulou as provas da Odebrecht, Toffoli afirmou que a Lava Jato foi uma “armação fruto de um projeto de poder de determinados agentes públicos em seu objetivo de conquista do Estado por meios aparentemente legais, mas com métodos e ações contra legem [a lei]”.

“Digo sem medo de errar, foi o verdadeiro ovo da serpente dos ataques à democracia e às instituições que já se prenunciavam em ações e vozes desses agentes contra as instituições e ao próprio STF. Ovo esse chocado por autoridades que fizeram desvio de função, agindo em conluio para atingir instituições, autoridades, empresas e alvos específicos”, disse, em sua decisão.

Além da investigação da AGU, apurações abertas em outros órgãos com o objetivo de responsabilizar agentes da Lava Jato continuam sem conclusão.

A corregedoria do CNJ também abriu uma apuração para investigar possíveis irregularidades no controle de valores oriundos entre acordos de delação premiada e leniência firmados com a força-tarefa da operação e homologados pela vara que estava sob responsabilidade do então juiz Sergio Moro.

Em 15 de setembro do ano passado, o órgão divulgou um relatório parcial que afirmava ter encontrado “uma gestão caótica” e “possível conluio” nesse controle.

A correição, porém, ainda não foi concluída, e corre sob sigilo. No CNJ, há visões divergentes a respeito da Lava Jato por dois dos seus principais integrantes: o presidente do órgão, Luís Roberto Barroso, que também preside do Supremo, e o corregedor Luís Felipe Salomão.

Enquanto Barroso tem críticas pontuais ao que considera irregularidades e erros cometidos pela Lava Jato, Salomão tem uma visão mais negativa da operação, sobretudo a respeito da tentativa da criação do chamado fundo da Lava Jato.

Essa criação, noticiada pela Folha, se daria com recursos de multa imposta a Petrobras como parte de um acordo com autoridades dos Estados Unidos para compensar perdas de acionistas minoritários com os esquemas de corrupção revelados a partir de 2014.

A Lava Jato, investigação iniciada em Curitiba sobre um esquema de corrupção na Petrobras e depois desdobrada em braços por todo o país, completa dez anos neste mês de março.

5 fatores que explicam as raízes históricas da crise permanente que afeta o Haiti

Assolado pela pobreza, periodicamente sacudido por desastres naturais, submerso em uma dívida histórica e com a instabilidade endêmica dos seus governos, o Haiti parece viver em uma crise permanente.

O assassinato do presidente haitiano Jovenel Moïse (1968-2021) e o recrudescimento da violência pelas gangues criminosas já causaram milhares de mortes e levaram o país ao seu limite.

Mas os males do Haiti têm raízes mais antigas. Algumas delas remontam à criação do país como nação independente e vêm se aprofundando ao longo dos séculos.

Estes fatores históricos ajudam a explicar a situação enfrentada pelo país.

1. Instabilidade política

O Haiti sofre com a instabilidade política desde a sua independência, em 1804.

Seu primeiro governante, Jean-Jacques Dessalines (1758-1806), proibiu a escravidão, mas concentrou todo o poder em si próprio, ao se declarar governador-geral vitalício do país. E, poucos meses depois, ele se autonomeou imperador Jacques 1º.

Ele foi assassinado – um destino que foi seguido por diversos líderes haitianos – e sua sucessão levou a uma guerra civil.

O século 19 presenciou uma sucessão de governantes, muitos deles vitalícios. Mas seu poder durava poucos anos e eles acabavam derrubados por revoltas, assassinados ou exilados.

A influência alemã no país crescia cada vez mais, causando preocupação nos Estados Unidos. Por isso e para proteger seus interesses na região, os americanos invadiram o Haiti em 1915.

Eles só saíram em 1943, depois que conseguiram alterar a legislação haitiana. Passou a ser permitida, por exemplo, a compra de terrenos por estrangeiros, o que intensificou a influência das empresas norte-americanas na economia e na política do Haiti.

A segunda metade do século 20 foi marcada pelos violentos governos de François “Papa Doc” Duvalier (1907-1971) e seu filho, Jean-Claude “Baby Doc” (1951-2014).

A ditadura dos Duvalier durou 29 anos. Nesse período, a corrupção esvaziou os cofres do país e a repressão policial resultou em cerca de 30 mil mortos ou desaparecidos.

Depois de um golpe militar fracassado em 1958, François Duvalier tentou enganar as forças armadas criando uma milícia pessoal, os tontons macoutes (expressão equivalente ao “homem do saco”, no idioma crioulo falado no Haiti). Sua função era aterrorizar a população, proteger o governante e perseguir seus opositores.

Seu filho Jean-Claude Duvalier se manteve no poder até que uma rebelião o obrigou a se exilar na França, em 1986.

Em 1990, depois de vários golpes de Estado, o Haiti escolheu seu primeiro presidente democraticamente eleito: o ex-sacerdote Jean-Bertrand Aristide.

Alçado ao poder pelos menos favorecidos, Aristide cumpriu apenas sete meses de mandato. Ele foi derrubado por outro golpe militar e precisou seguir para o exílio.

Aristide conseguiu voltar ao Haiti em 1994, graças a uma intervenção militar norte-americana. Ao chegar, ele dissolveu o exército.

Dois anos depois, René Préval ganhou as eleições e sucedeu Aristide na presidência. O ex-sacerdote seria eleito presidente mais uma vez em novembro de 2000.

Mas, depois de contínuas crises políticas e econômicas, Aristide foi obrigado a se retirar em 2004, quando a oposição se tornou cada vez mais violenta.

Houve acusações de fraude eleitoral, mortes extrajudiciais, tortura e brutalidade. No mesmo ano, as Nações Unidas enviaram uma missão de paz para o Haiti, que passou 13 anos no país.

Préval voltou a ganhar as eleições em 2006 e conseguiu terminar seu mandato de cinco anos. Mas o terrível terremoto de 2010 devastou grande parte do país, exacerbando os problemas políticos, econômicos e sociais do Haiti.

Depois do governo do presidente Michel Martelly, o empresário Jovenel Moïse ganhou as eleições de 2016. Seu mandato foi marcado por protestos contra o governo, frequentemente violentos, e pelas acusações de corrupção.

No dia 7 de julho de 2021, Moïse foi assassinado a tiros por um grupo de mercenários colombianos, na sua casa, perto da capital haitiana, Porto Príncipe. Até hoje, não se conseguiu descobrir quem ordenou o assassinato do presidente.

Sua morte deixou um vazio de poder e grupos armados tomaram o controle de grande parte do país.

Seu ex-primeiro-ministro, Ariel Henry, assumiu o poder de forma interina, mas o recrudescimento dos protestos o obrigou a renunciar na segunda-feira (11/3).

Com isso, o Haiti não tem governante no momento.

2. Violência extrema

O Haiti está mergulhado na violência, em grande parte, devido às cerca de 200 gangues que controlam grandes regiões do país, especialmente em Porto Príncipe.

Dados das Nações Unidas indicam que a violência já deslocou internamente quase 314 mil pessoas.

Desde os brutais tontons macoutes criados por “Papa Doc” em 1958, as facções criminosas só aumentaram sua presença, especialmente nos momentos de vazio de poder.

Quando Aristide eliminou o exército, que era marcado pela corrupção, o Estado perdeu sua capacidade de lutar contra o crime organizado.

Os narcotraficantes haitianos trabalhavam então estreitamente com o cartel de Medellín, na Colômbia, segundo um dos diretores do Centro de Estudos Latino-Americanos e Caribenhos da Universidade de Essex, no Reino Unido, Nicolas Forsans.

O Haiti funcionava como intermediário do tráfico de drogas da Colômbia para os Estados Unidos. Isso corrompeu muitos funcionários e policiais “e se tornou uma fonte de renda pouco conhecida, mas considerável, para as elites políticas e empresariais do Haiti, que ofereciam proteção e apoio logístico aos narcotraficantes”, explica Forsans no site de notícias acadêmicas The Conversation.

O terremoto de 2010 permitiu que muitos chefes de facções criminosas fugissem da prisão. Isso incentivou as gangues, que realizaram sequestros, ataques à polícia, aos meios de comunicação e a políticos. Elas transformaram o dia a dia de muitos haitianos em um inferno.

Atualmente, a maioria das gangues é afiliada a duas facções predominantes: a G-9 e Família, chefiada por Jimmy Chérizier, conhecido como “Barbecue”, e a G-Pep, liderada por Gabriel Jean-Pierre.

Fundada em 2020, a G-9 é vinculada ao Partido Haitiano Tèt Kale (PHTK), de Moïse e Henry. A organização supostamente angariou votos para o partido, segundo o portal especializado Insight Crime.

A gangue controla atividades econômicas fundamentais, como o porto da capital, terminais petrolíferos e os pontos de entrada e saída de Porto Príncipe.

A G-Pep está sediada em Cité Soleil, o bairro mais pobre e mais povoado da capital. Ela é principalmente apoiada pelos opositores do PHTK, “embora não esteja claro até que ponto ela recebe apoio material ou financeiro desses opositores atualmente”, destacava Insight Crime em um relatório de dois anos atrás.

Estimativas da ONU indicam que o número de mortos pela violência das gangues duplicou no ano passado, superando a marca de 5 mil assassinatos.

A polícia conta com poucos recursos para enfrentá-las e muitos agentes abandonaram a força policial no último ano, segundo um relatório das Nações Unidas.

Atualmente, existe no Haiti 1,3 policial para cada 1 mil habitantes. O padrão internacional é de 2,2.

Além disso, a violência se estendeu das cidades para a zona rural. E, para o secretário-geral da ONU, António Guterres, este é “mais um motivo sério de alarme”.

3. Dívida e intervenção estrangeira

O Haiti foi o primeiro país latino-americano a declarar independência. É a república negra mais antiga do mundo e a segunda república mais antiga do hemisfério ocidental, atrás apenas dos Estados Unidos.

A rebelião iniciada pelas pessoas escravizadas em 1791 contra os colonizadores franceses culminou com a declaração de independência do Haiti, em 1804.

Mas a liberdade teve um preço. A luta pela libertação do domínio francês destruiu a maior parte das plantações e da infraestrutura do país, deixando o Haiti em graves dificuldades econômicas.

Nenhum país quis reconhecer diplomaticamente o Haiti, até que a França concordou com o reconhecimento da independência em 1825. Mas não sem condições: o novo país deveria pagar reparações pelas fazendas perdidas e pelas pessoas escravizadas que foram libertadas. Caso contrário, iria enfrentar uma guerra.

Foi assim que o Haiti se comprometeu a pagar uma indenização de 150 milhões de francos (cerca de US$ 21 bilhões em valores de hoje, ou R$ 104,6 bilhões), em cinco parcelas.

Mas a receita anual do governo haitiano representava apenas 10% do valor exigido pela França, de forma que o país não contava com os fundos necessários para fazer os pagamentos. Para isso, o Haiti precisava pedir um empréstimo.

A antiga metrópole concordou, desde que fosse contratado junto a um banco francês. E assim começou formalmente o que é conhecido como a dívida da Independência.

As comissões draconianas impostas pelo banco Crédit Industriel et Commercial (hoje, CIC) fizeram com que o novo país passasse a ter duas dívidas: a já contratada com a França e outra, com o banco francês.

O Haiti precisou pedir enormes empréstimos a bancos norte-americanos, franceses e alemães, com taxas de juros exorbitantes. O país foi obrigado a destinar a maior parte do orçamento nacional ao pagamento da dívida.

O Haiti só terminou de compensar os donos das plantações da colônia francesa em 1947. Mas a França não foi o único país que ocupou e esvaziou os cofres daquela que, um dia, foi a pérola das Antilhas.

Em 1915, 330 fuzileiros navais dos Estados Unidos desembarcaram em Porto Príncipe para defender os interesses das empresas norte-americanas no país, tomado pela instabilidade política. E esta primeira incursão foi seguida por outra ainda maior.

Os Estados Unidos assumiram o controle da alfândega e das principais instituições econômicas do Haiti, como os bancos e o tesouro nacional – que foi praticamente esvaziado para pagar as dívidas com as empresas norte-americanas.

Em 1922, Washington obrigou o Haiti a tomar empréstimos de Wall Street, o que deixou o país afogado em novas dívidas. A ocupação americana durou até 1943, mas o controle financeiro do país se prolongou por décadas.

4. Pobreza

Toda essa instabilidade política, aliada à violência e à espoliação financeira, trouxe consequências evidentes ao país e seus habitantes. O Haiti, hoje, é o país mais pobre da América Latina e do Caribe – e um dos mais pobres do mundo.

Seu PIB per capita, em paridade do poder de compra, foi de apenas US$ 3.306 (cerca de R$ 16,5 mil) em 2022, segundo o Banco Mundial. E este número não considera a desigualdade de renda entre seus habitantes.

Em termos comparativos, o PIB per capita médio da América Latina e do Caribe no mesmo período foi de US$ 19.269 (cerca de R$ 95,9 mil).

O Haiti também ocupa o 163º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano calculado pela ONU, em um total de 191 países.

Mais da metade da sua população vive abaixo do limite da pobreza. A estimativa de vida é de pouco mais de 64 anos, principalmente devido às péssimas condições de vida em grande parte do país e à fragilidade do seu sistema de saúde.

A fome e a desnutrição também atingiram níveis sem precedentes, com efeitos potencialmente mortais, segundo as Nações Unidas.

Em 2023, três milhões de crianças – o maior número já registrado – precisavam de ajuda humanitária no Haiti. Quase uma em cada três crianças sofre desnutrição crônica no país.

A situação é particularmente grave nos bairros assolados pela violência. Um exemplo é Cité Soleil, em Porto Príncipe, que mantém um triste recorde: aquele foi, por anos, o bairro mais pobre da capital mais pobre do país mais pobre do continente americano.

As péssimas condições sanitárias enfrentadas por grande parte da população haitiana também fazem com que algumas doenças transmissíveis causem graves danos.

O país tem, por exemplo, uma das taxas de incidência de tuberculose mais altas da região. A cólera causou cerca de 10 mil mortes após o terremoto que devastou o país em 2010 e, agora, voltou a surgir em alguns pontos do Haiti.

E 1,7% da população adulta é portadora do vírus HIV, segundo os números do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre o HIV/AIDS (UNAIDS).

Some-se ainda que cerca de 40% da população é de analfabetos, segundo dados do Banco Mundial – e apenas a metade das crianças frequenta a escola, pelos números do Unicef.

Com um Estado debilitado e sacudido por desastres naturais periódicos, o país tem infraestrutura extremamente pobre.

Todas estas razões fizeram do Haiti um país seriamente dependente da ajuda internacional. Calcula-se que, entre 2011 e 2021, o país caribenho tenha recebido pelo menos US$ 13 bilhões (cerca de R$ 64,7 bilhões) em auxílio.

Ainda assim, o Haiti continua sendo um país pobre, em parte, porque esta dependência internacional substituiu o Estado, que deixou de estar presente entre a população. É o que afirmam economistas como Jake Johnston, do think tank Centro de Pesquisa Econômica e Política, com sede nos Estados Unidos.

“Nos últimos 30 e poucos anos, observamos a terceirização do Estado haitiano”, declarou Johnston ao jornalista Ronald Ávila-Claudio, da BBC News Mundo.

“Mesmo antes do terremoto de 2010, 80% dos serviços públicos no Haiti tinham controladores privados, sejam eles organizações sem fins lucrativos, igrejas, bancos de desenvolvimento ou o setor privado, mas não o Estado.”

5. Desastres naturais

O Haiti é especialmente vulnerável aos desastres naturais devido à sua própria geografia.

O país se encontra no caminho dos furacões do Oceano Atlântico e repousa sobre duas falhas geológicas que o tornam um território com alta atividade sísmica. Mas algumas das piores consequências desses desastres naturais foram agravadas pela mão humana.

A pobreza e o quase desaparecimento do Estado propiciaram o desmatamento e a degradação ambiental, que multiplica o efeito dos furacões. Paralelamente, a precariedade das construções faz com que o número de vítimas e destroços dos terremotos seja muito maior.

Dos quase 12 milhões de habitantes do Haiti, 96% estão expostos a este tipo de desastre.

O Haiti fica no extremo ocidental da ilha de La Hispaniola, dividida entre o país e a República Dominicana. Seu terreno é acidentado, marcado pelos vales e a maior parte da população está concentrada no litoral.

O Banco Mundial calcula que 98% das suas florestas tenham sido derrubadas, principalmente para a produção de lenha e carvão. Isso causou a erosão do solo e forte escassez de água potável.

A erosão do solo não afeta apenas a agricultura. Ela torna o Haiti ainda mais vulnerável aos furacões e tempestades tropicais que atingem periodicamente o país, causando graves inundações e deslizamentos de terra.

Em 2016, por exemplo, a passagem do furacão Matthew causou danos de mais de 32% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.

O Haiti também está localizado em meio a um vasto sistema de falhas geológicas, resultantes da movimentação da placa do Caribe e da enorme placa da América do Norte. A Falha de Enriquillo-Plantain Garden atravessa todo o sul do país, enquanto a Falha Setentrional Oeste percorre o norte.

Elas provocaram alguns dos terremotos mais devastadores dos últimos tempos, como o de magnitude 7 que sacudiu o país em 2010. Nele, morreram 250 mil pessoas e, segundo o Banco Mundial, foi destruído o equivalente a 120% do PIB do Haiti.

Em outros países do mundo, como o Chile e o Japão, ocorrem terremotos de magnitude similar ou até superior, sem produzir o mesmo número de vítimas. Mas as estruturas de concreto simples das cidades haitianas, sem nenhum amortecimento, desmoronaram como um castelo de cartas.

Em 2021, a natureza atacou em duas frentes. Um terremoto de magnitude 7,2 matou cerca de 2 mil pessoas e destruiu 30% da península ao sul do país. Poucos dias depois, a tempestade tropical Grace exacerbou a situação, causando inundações e deslizamentos de terra.

E os especialistas advertem que as consequências da crise climática só irão piorar a situação desse país já flagelado por inúmeros males.

Milei fica refém de Congresso e governadores após rejeição de megadecreto no Senado

O governo de Javier Milei sofreu um novo revés na última quinta-feira (14/3) quando o Senado rechaçou o seu Decreto de Necessidade e Urgência (DNU), fazendo-o ir para o Congresso que, há um mês, derrubou a sua Lei Ônibus. Depois de ter saído em uma cruzada contra o que chamou de “traidores” dentro de sua base de apoio, o libertário tenta agora dialogar com os mesmos para evitar a queda da principal sustentação legal de seu programa governo.

Pela lei, um DNU, que funciona semelhante à Medida Provisória no Brasil, é válido até que ambas as casas parlamentares o rejeite. Agora que, pela primeira vez na história, o Senado deu o seu voto de rejeição, resta à Câmara de Deputados o voto final. A lei também diz que uma das casas pode simplesmente não analisar o decreto, o que manteria a sua vigência. Isso dependerá do quórum formado para analisá-lo e de pressões para que o presidente Martin Meném o coloque em votação.

Em um mau sinal para o governo, o mercado reagiu com pessimismo à rejeição do DNU, com queda de ações. Os próximos dias serão fundamentais para avaliar qual será o futuro do programa político e econômico de Milei que acabou de completar três meses a frente da Casa Rosada e já acumula uma série de reveses.

Segundo cálculos do jornal La Nación, a oposição peronista e da esquerda – que é considerada o núcleo duro contra o governo – não reúne o número de votos suficientes para derrubar o decreto, diferentemente da realidade que havia no Senado. Mas a distância é pequena. Pelos cálculos, há atualmente 109 deputados que com certeza votariam contra e mais dois ou três que dão a entender que o rejeitariam. Para um rechaço é necessário a maioria simples de 129 votos.

É por isso que, para evitar que o decretaço seja rejeitado na plenária, o governo terá de voltar à mesa de negociação com a oposição chamada de “dialoguista”, que é aquela que, embora componha a oposição ao governo, se mostra aberta a dialogar em certos temas – uma espécie de centrão argentino. Já a base de Milei é composta pelos libertários, o PRO de Mauricio Macri e alguns membros do radicalismo.

A dúvida é se deputados do radicalismo e de algumas províncias do PRO continuarão acompanhando o governo depois das últimas semanas de guerra aberta. Deputados de Neuquén, Rio Negro, Chubut e Santa Cruz – que seriam cinco cadeiras – não sinalizam como pretendem votar. Estas são as províncias que há algumas semanas ameaçaram cortar o petróleo do país caso o governo federal não liberasse verbas retidas.

O voto de Martín Lousteau no Senado também surpreendeu. O senador é presidente da União Cívica Radical e rechaçou o decreto, abrindo uma batalha dentro de seu partido que, até então, era base do governo. Lousteau argumenta que o DNU é inconstitucional – uma avaliação que a Suprema Corte ainda deve fazer.

“O Congresso pode rejeitar um DNU com uma maioria de votos em cada uma das câmaras. Portanto, se o presidente não quiser que um DNU seja rejeitado, ele precisa garantir o apoio da maioria em pelo menos uma das duas câmaras”, explica a cientista política Ana María Mustapic ao site de checagem argentino Chequeado.

A fratura da base começou justamente por uma questão de votos no Congresso. Depois de uma vitória importante da Lei Ônibus (que também busca modificar setores da economia e do Estado argentino, mas em temas que não se pode tratar via DNU), apenas quatro dias depois o governo viu seus artigos caindo um por um quando deputados de sua base passaram a votar contra. Em resposta, Milei retirou o projeto de votação, perdendo a sua validade.

Além dos deputados, Milei disparou contra os governadores radicais e do PRO, que possuem grande influência no partidos e nos votos das casas legislativas. A redução de repasses de mais de 90% para as províncias fez a guerra escalar no mês passado.

Em seu discurso na aberta das sessões legislativas, em 1 de março, Milei lançou que poderia “governar sem o Congresso”, mas buscou baixar o tom ao propor um “Pacto de Maio”, em que se propõe a dialogar com os governadores que ganharam bandeira branca para modificar a lei ônibus antes que ela retorne para votação.

Com o revés de ontem, Milei disparou nesta sexta-feira (15) que o resultado “lança dúvidas” sobre o pacto com os governadores. “O que aconteceu no Senado abre algumas dúvidas. Mas quando fiz o discurso na assembleia legislativa, eu disse: Se eles querem confronto, haverá confronto. Se eles querem um acordo, vamos buscar o acordo. Ontem, eles não mostraram que não estavam indo para o caminho do acordo, eles decidiram ir para a obstrução e manter seus privilégios”, afirmou.

A questão é que, agora, deputados e governadores ganham um componente a mais ao ver que o governo está tão refém do que decidirem. O cenário também abre brechas, inclusive, para se engrandecerem nas negociações de outros temas, como pacote fiscal, que é tão sensível para as províncias. Com a soma de reveses e cada dia mais em queda a popularidade do presidente, o jogo de poderes começa a se inverter.

Já nessa sexta, enquanto ainda digeria a derrota do DNU no Senado, o ministro do Interior Guillermo Francos se reunia com os deputados do bloco “dialoguista” para tratar de uma “nova Lei Ônibus”, com canetadas de governadores.

O governo, contudo, ainda tem algumas alternativas para dar sobrevida ao decreto. Uma delas é buscar ele próprio colocar a votação do DNU em pauta, aproveitando que os votos da oposição ainda não são suficientes para derrubá-lo. Isso exigiria um diálogo ainda mais rápido e profundo com o setor “dialoguista”, exigindo que Milei provoque menos atritos.

A outra é seguir o mesmo caminho que fez Mauricio Macri em 2018 quando um DNU que emitiu estava em caminhos de ser rejeitado: criar “leis espelhos”, ou seja, picotar o DNU e transformá-lo trecho por trecho em projetos de lei. Isso ainda exigiria diálogo, mas daria mais tempo de negociação, e derrotas pontuais em projetos não seriam como a derrota de um decreto inteiro.

Ontem, antes mesmo do fim da sessão no Senado, o deputado Cristian Ritondo, que presidente o bloco do PRO, apresentou três projetos de lei que replicam um dos capítulos-chave do megadecreto: o da reforma trabalhista, que foi suspenso pela Justiça em janeiro.

Isso se a Suprema Corte não decidir ela própria derrubar o DNU por inconstitucionalidade, como argumenta a ação movida que corre no momento. Vale lembrar que a Justiça já decretou a inconstitucionalidade do trecho que trata da reforma trabalhista.

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Argentina: Senado rejeita “decretaço” econômico de Javier Milei

O senado da Argentina rejeitou o Decreto de Necessidade e Urgência de Javier Milei em uma sessão tensa que foi convocada por sua vice, Victoria Villarruel, sem o seu aval. O “decretaço”, que se assemelha à Medida Provisória no Brasil, busca desregulamentar mais de 300 leis da economia e do Estado argentino. Para seguir em vigor é necessário o aval das duas casas legislativas. Medida volta para votação na Câmara, onde há novo risco de derrota.

Esse é a mais um grande revés para Milei, que recolheu no mês passado a chamada Lei Ônibus, depois de ter o pacote de medidas desidratado em meio às negociações e perder cerca de metade dos artigos. Além de correr o risco de uma nova derrota na Câmara baixa pela fragmentação da base de apoio do governo, o DNU ainda tem trechos judicializados e pode ser analisado pela Suprema Corte em breve.

O dia começou quente na Casa Rosada quando Milei ficou sabendo que sua vice estava chamando para esta quinta-feira, 14, uma sessão especial para votar o DNU por pressão de grupos da oposição kirchnerista. “Eles pretendem avançar com a sua própria agenda sem consulta, a fim de dificultar as negociações e o diálogo entre os diferentes setores da liderança política”, escreveu o perfil oficial da presidência sem citar a vice diretamente.

“O governo nacional espera que o poder Legislativo não se deixe cativar pelo canto da sereia daqueles que pretendem ‘marcar’ vitórias no curto prazo”, continuou o comunicado. Com o início da sessão parlamentária, Milei cancelou a reunião de gabinete que comandaria nesta quinta-feira, 14. Mais tarde, o porta-voz da presidência, Manuel Adorni, negou que haja uma briga entre presidente e vice, dizendo que o comunicado havia sido mal interpretado.

O DNU foi assinado por Milei em 20 de dezembro, 10 dias após sua posse, e propunha desregulamentar mais de 600 leis da Argentina. Para ser mantida, a canetada de Milei precisa de aprovação de ambas as câmaras. A votação no Senado, porém, vinha sendo postergada para que o governo conseguisse os votos suficientes.

Desde que o presidente saiu em uma cruzada contra deputados e governadores de sua própria base de apoio – composta pela centro-direita -, Villarruel vinha atuando para reconstruir as alianças fraturadas. Como vice, ela também preside o Senado.

Tanto por derrotas no Congresso quanto por corte de repasse às província, Milei vem enfrentando oposição de governadores de sua base, que chegaram a ameaçar de cortar o petróleo para o país. Os governadores são uma força política importante na Argentina, com enorme capacidade de influenciar seus partidos e as votações legislativas. Como a base libertária é pequena (apenas 38 deputados, 7 senadores e nenhum governador), o apoio da centro-direita é fundamental contra a poderosa força peronista.

Villarruel, em conjunto com o ministro do Interior Guillermo Francos, tentavam desfazer o mal-estar com este governadores, e o próprio Milei vinha conduzindo reuniões com os mesmos no chamado “pacto de maio”. Mas a oposição kirchnerista foi mais rápida e pressionava a vice para convocar a sessão antes do recesso de páscoa.

Segundo a imprensa argentina, o clima tenso entre Milei e Villarruel já vinha se desenhando há semanas e escalou no fim de semana, quando se tornou público o aumento de salário dos legisladores. Na realidade, presidente e vice vinham se estranhando desde a formação do gabinete presidencial. Durante a campanha, Milei deu a entender que Villarruel, que é filha de militar e defende uma revisão histórica da ditadura, se ocuparia dos temas de segurança e defesa. Porém, depois de uma aliança com Mauricio Macri e Patricia Bullrich, esta última foi designada para a pasta de Segurança, afastando a vice do tema.

Após as brigas de Milei com esta mesma aliança que firmou, Villarruel vinha atuando em um perfil mais tímido, conduzindo ela própria as conversas com aliados, o que, segundo o jornal La Nación, vinha incomodando a Casa Rosada. Fontes libertárias afirmaram ao diário argentino que Milei estava confuso com a decisão de hoje da vice e reclamava de não ter sido consultado.

Nunca um DNU havia sido rejeitado em uma das casa parlamentares na Argentina. Enquanto não é rejeitado por ambas as casas, o decreto segue em vigor. Antes de voltar para votação no Congresso, o mais provável é que o decretaço seja analisado pela Suprema Corte que já recebeu ações de inconstitucionalidade da medida. Sem o DNU e sem a Lei Ônibus, plano econômico de Milei entra em um limbo.

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Brasil tem queda de 30% no número de pessoas em situação de insegurança alimentar

Um recente estudo realizado pelo Instituto Fome Zero (IFZ) trouxe à tona que o número de brasileiros em situação de insegurança alimentar moderada e grave apresentou uma queda de 30,7% entre o primeiro trimestre de 2022 e o quarto trimestre de 2023. Esse declínio representou uma redução de 20 milhões de pessoas, passando de 65 milhões para 45 milhões.

A pesquisa também destacou uma queda ainda mais expressiva no número de pessoas em situação de insegurança alimentar grave, que enfrentam a fome. Esse grupo diminuiu em cerca de 39%, indo de 33 milhões no primeiro trimestre de 2022 para 20 milhões no quarto trimestre de 2023.

Os autores do estudo apontam diversos fatores que contribuíram para essa redução, incluindo a queda da inflação, a redução do desemprego e a valorização do salário mínimo. Além disso, programas sociais como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) tiveram seus valores aumentados, ampliando o acesso à alimentação para famílias em situação de vulnerabilidade.

Contudo, o estudo aponta que 9,2% da população ainda enfrentava insegurança alimentar grave ao final de 2023, enquanto 20,7% estavam em situação de insegurança alimentar moderada mais grave.

A pesquisa, encomendada pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, utilizou dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua do IBGE e da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) para desenvolver modelos matemáticos que projetam tendências.

Além da redução da fome, o estudo também observou uma diminuição no índice de miséria no país, que caiu para pouco mais de 12% em 2023, comparado ao pico de mais de 21% em 2021.

O diretor do Instituto Fome Zero, José Giacomo Baccarin, analisou o contexto econômico e social que influenciou essa tendência positiva. Em relação à redução da fome no país, Baccarin apontou a queda da taxa de desemprego e o aumento da renda das famílias como um componente importante que contribuiu para a situação.

“Nós tivemos em 2023 uma importante queda na estimativa do número de pessoas em insegurança alimentar no Brasil, tanto em insegurança alimentar moderada quanto a insegurança alimentar grave, isso era esperado. Tudo influenciou, a queda da taxa de desemprego e aumento da renda das famílias, a inflação muito baixa para as condições brasileiras e o preço de alimentação e bebidas mais baixo que no geral”.

*Estagiária sob a supervisão de Pedro Grigori

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