O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) projeta um déficit nas contas do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) a partir de 2025, o que acendeu um alerta diante do risco de o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) precisar devolver ao fundo recursos hoje usados para impulsionar investimentos.
Eventual saque dos valores do FAT para garantir as obrigações com os trabalhadores ocorreria num momento em que a instituição ocupa papel central nos planos do Executivo de fomentar o crédito e movimentar a economia.
O tema vem sendo discutido entre os ministérios da Fazenda, do Trabalho e o BNDES.
O FAT é abastecido com receitas do PIS/Pasep e banca políticas como o abono salarial (espécie de 14º salário pago a trabalhadores com carteira assinada) e o seguro-desemprego, além de servir como fonte de financiamento barata para as linhas de crédito do BNDES.
Em 2019, a reforma da Previdência também autorizou o uso de recursos do fundo para cobrir parte do déficit com o pagamento das aposentadorias.
A medida funciona na prática como uma desvinculação de receitas do FAT, dando mais flexibilidade ao Tesouro para gerir as verbas e evitar a emissão adicional de títulos da dívida pública.
Folha Mercado
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No PLDO (projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2025, o governo estimou um déficit de R$ 4,5 bilhões no fundo no ano que vem, que tende a se acentuar e alcançar um rombo de R$ 8,7 bilhões em 2028. Mesmo neste ano, o superávit de R$ 639 milhões é pequeno e está sujeito a frustrações na arrecadação.
Nesse período, a previsão é usar entre R$ 17,4 bilhões e R$ 19,7 bilhões ao ano para cobrir parte do resultado negativo da Previdência —na casa dos R$ 270 bilhões.
BNDES e Ministério do Trabalho veem um desvirtuamento das finalidades do fundo, criado para bancar iniciativas ligadas à proteção e qualificação dos trabalhadores e financiar políticas de investimento. Eles pedem o fim do uso dos recursos para cobrir o rombo na Previdência.
A perspectiva de um déficit estrutural no FAT pode levar o Codefat (Conselho Deliberativo do FAT) a tomar a inédita decisão de solicitar ao BNDES o saque dos recursos já destinados ao banco de fomento. A não adoção de providências poderia suscitar questionamentos do TCU (Tribunal de Contas da União).
Uma ala do governo tentou excluir a cobertura da Previdência do rol de responsabilidades do FAT na PEC (proposta de emenda à Constituição) da reforma tributária, como revelou a Folha. Mas a investida não vingou diante da leitura de que reabrir as negociações do texto com o Congresso Nacional poderia atrasar a tramitação.
O Executivo fez então um arranjo interno: o Tesouro fez um aporte de R$ 7,5 bilhões —o maior desde 2017— para evitar que o rombo no fundo pudesse disparar as cláusulas de saque.
A medida não afeta as metas fiscais do ministro Fernando Haddad (Fazenda), pois se trata de uma despesa financeira, mas eleva a dívida pública.
O problema é que não há garantia de que isso ocorrerá nos próximos anos. A Fazenda respondeu à Folha que não prevê necessidade de novos aportes e aposta nas medidas de receita para incrementar a arrecadação do FAT.
“Além disso, cabe dizer que o FAT dispõe de patrimônio suficiente para cobrir eventuais desequilíbrios financeiros”, diz o ministério, em nota. O patrimônio chegou a R$ 489,9 bilhões no fim de 2023 e compreende os recursos repassados ao BNDES.
O banco alerta que a incerteza sobre contar ou não com as fontes do FAT pode elevar desde já o custo dos empréstimos, pois exigiria da instituição uma postura mais cautelosa em sua política de crédito. A instituição tem tido o apoio do Ministério do Trabalho na discussão.
“Sacar recurso do FAT não resolve o déficit da Previdência. É um paliativo temporário, mas cria um grande problema para o financiamento a longo prazo, que pode colocar em risco a sustentabilidade do FAT”, diz o diretor de Planejamento e Estruturação de Projetos do BNDES, Nelson Barbosa.
Segundo Barbosa, o banco tem buscado novos instrumentos para captar recursos e conceder empréstimos, como a LCD (Letra de Crédito de Desenvolvimento), mas a situação do fundo dos trabalhadores pode jogar mais pressão sobre essas ferramentas, com impacto no custo do crédito.
“Se o FAT não só crescer lentamente, mas começar a cair [como fonte para o BNDES], isso vai aumentar a pressão para financiamentos via LCD ou outros fundos públicos, como Fundo Clima. Vai aumentar a pressão sobre outras fontes públicas e privadas”, disse.
O diretor afirma que alguns cenários apontam necessidade de devolução dos recursos do FAT já em 2026, embora a requisição formal de saque dependa de uma decisão do Codefat.
O secretário de Proteção ao Trabalhador do Ministério do Trabalho, Carlos Augusto Gonçalves Júnior, que também é o secretário-executivo do Codefat, diz que o conselho deve fazer uma nova avaliação da situação do fundo em outubro deste ano.
“Nós queremos evitar fazer esse resgate, porque são recursos importantes para o país, para a economia”, afirma Gonçalves Júnior.
Embora os aportes do Tesouro possam resolver o problema em um ano específico, há uma preocupação em resolver o impasse de forma estrutural —daí o pleito de uma nova PEC para extinguir a obrigação de usar o FAT para cobrir o déficit da Previdência.
“A Fazenda quer contar com um cenário tributário e fiscal mais estável para fazer esse ajuste. Nós queremos o mais rápido possível”, diz o secretário do Codefat.
Além de reduzir as incertezas para o BNDES, a pasta tem um pleito de abrir espaço no orçamento do FAT para ampliar as políticas de inserção e qualificação de mão de obra, que hoje respondem por apenas 0,5% dos gastos do fundo.
Para a Fazenda, o uso do FAT para cobrir o déficit da Previdência reduz a pressão sobre o endividamento e também ajuda no cumprimento da chamada regra de ouro do Orçamento, que impede a emissão de dívida para pagar despesas correntes (como os benefícios previdenciários).
A regra de ouro vem passando por desequilíbrios intermitentes desde 2018, por causa dos sucessivos déficits públicos e do aumento nos encargos da dívida pública.
Em nota, a Fazenda disse que eventuais desequilíbrios no FAT “não afetam as obrigações constitucionais do governo federal relativas aos empréstimos ao BNDES e ao pagamento de abono salarial, do seguro-desemprego e de outras ações da Previdência Social”.
“A discussão sobre uso de recursos do PIS/Pasep para pagamento de ações de Previdência traz apenas maior flexibilidade na gestão das fontes orçamentárias, já que as despesas de previdência, abono e seguro-desemprego são todas de caráter obrigatórias e serão pagas independentemente da fonte a ser escolhida”, diz a pasta.