O advogado catarinense Marcelo Gasparino, de 53 anos, passa boa parte do tempo enfurnado nos bastidores das maiores guerras empresariais envolvendo o governo Lula, mas não como integrante da gestão petista. Conselheiro de administração profissional há 13 anos, ele representa o interesse de acionistas minoritários nos conselhos da Petrobras, da Vale, da Eletrobras e do Banco do Brasil.
Na função, ele por vezes tem que comprar brigas com os controladores — o que faz nesta entrevista, cobrando do governo que assuma sua parcela de responsabilidade pelos desastres ambientais da Vale e criticando tanto o rumo que Lula está impondo à Petrobras como a fritura do CEO, Jean Paul Prates.
“Mudar o comando da Petrobras seria uma evidência de intervencionismo claro. Independentemente do nome do substituto”.
Leia abaixo a entrevista:
Após uma disputa traumática em torno dos dividendos extraordinários da Petrobras, o governo entrou em acordo para liberar o pagamento. Por que esse vaivém?
Desconheço esse acordo, mas, se for confirmado, ficarei feliz. Nossa leitura [dos minoritários] sempre foi de que, se a decisão fosse técnica, os dividendos seriam pagos. Li que a arrecadação de março não atendeu as expectativas e que o Tesouro precisa compensar com receitas extraordinárias e não carimbadas, daí a liberação. Isso mostra como a Petrobras é fundamental para o Brasil. Estamos no ciclo de alta do petróleo, a empresa está bem, e o governo deveria aproveitar e surfar a onda.
Os dividendos não foram o primeiro racha no conselho da Petrobras. De que forma essa divisão atrapalha a empresa?
O conselho não está rachado. Quem está rachado é o governo.
A Petrobras está mergulhada em uma crise e com o presidente ameaçado de demissão. Como se chegou a essa situação?
Essa instabilidade foi gerada pelas divergências públicas entre o ministro de Minas e Energia [Alexandre Silveira] e o presidente da companhia. Não vou entrar no mérito sobre quem tem razão, não sei nem sequer se algum dos dois tem razão, mas isso é extremamente prejudicial ao país. Porque afeta não só a credibilidade da Petrobras, mas do acionista controlador, o governo brasileiro.
Se o governo não consegue separar as questões política, técnica e econômica, a tendência é ter crise atrás de crise. A Petrobras teve sete presidentes nos últimos sete anos. E dos quatro que acompanhei, o atual é o que mais conhece o negócio, o que tem o diálogo aberto com conselheiros e permite que você tenha segurança de participar das decisões, mesmo sabendo que em muitas vai ser vencido. Ser vencido num processo decisório de uma estatal, sendo minoritário, faz parte do jogo. Agora, ser surpreendido com decisões tomadas ao sabor de interesses do governo é muito ruim.
De quais decisões o senhor está falando, especificamente?
As mudanças recentes na estratégia da companhia, de retomar operações com fertilizantes, de investir pesado na área do refino e de voltar à área petroquímica, foram decisões do governo. Mas veja: fertilizante no Brasil é um negócio praticamente impossível de ser rentável. A refinaria incentiva o uso do petróleo e não é papel de uma estatal que precisa demonstrar compromisso com a transição energética. A petroquímica hoje está toda na mão da iniciativa privada. Então se uma eventual troca de presidente acelerar a execução desses equívocos, com eventual estatização da Braskem, por exemplo, vai ser uma tragédia.
Mas Prates já não segue as diretrizes do governo?
O presidente da Petrobras tem que seguir a orientação do controlador, mas você pode fazer isso com prudência ou sem prudência. Até agora nada me provou que ele não é um administrador prudente.
Aparentemente é a prudência que está atrapalhando, pois Lula está insatisfeito…
Exatamente. Pelo que acompanhamos de fora, as conversas no governo não acontecem apenas entre duas pessoas, é praticamente um colegiado. E nesse colegiado há divergências causadas por carência de conhecimento técnico, uma insistência em defender posições que quem conhece a indústria sabe que não são viáveis. É por isso que nesse momento seria trágico ter uma mudança no comando da Petrobras. Uma evidência de intervencionismo claro. Independentemente do nome do substituto.
As discussões a respeito dos investimentos geraram os desentendimento no conselho?
As divergências ocorrem sempre que se trata da opção mais desejada pelo Jean (Paul Prates), o CEO, que é a área de renováveis. O grande projeto dele é a geração de energia de eólicas em alto-mar.
O custo é bem maior. É essa a origem da briga dos grupos?
Não acredito que seja essa a razão. O custo nunca foi o principal ponto de decisão.
Então qual é o motivo?
É mais uma disputa de poder político. A tendência é que os outros conselheiros do governo sejam contra o que for favorável ao Jean, não necessariamente em função do melhor interesse da empresa. Mas realmente entra na questão do custo. Se for comparar o custo de implantação de eólica em terra com uma offshore, essas últimas são mais onerosas.
Se são mais caras, eles têm um argumento, não?
O que está em jogo é que um grupo tem mais interesse em fazer térmicas a gás e menos em fazer eólicas offshore. E térmica a gás não é energia renovável. Eólica offshore é renovável, mas complexa de se fazer. Temos dois extremos.
O presidente Lula vem cobrando que a Petrobras e a Vale, na qual o senhor também é conselheiro, “obedeçam a função social”, pensem no povo, etc.
Está faltando qualidade de comunicação para que a melhor informação chegue ao presidente da República. Ambas as empresas estão completamente comprometidas com o seu papel. A Petrobras faz uma série de programas sociais. Em 2021, distribuiu R$ 300 milhões em botijões de gás para milhares de famílias que estavam queimando lenha porque o gás aumentou muito e não estavam conseguindo comprar gás GLP.
Já a Vale gasta mais de US$ 1 bilhão por ano em projetos de apoio à comunidade, de reparação. É muito dinheiro. Mas a Vale tem duas chagas: a da Samarco, em que acabou sendo mortalmente atingida porque era a controladora, e Brumadinho. São questões que a Vale nunca vai superar 100%. Então, por mais que se faça, existe a percepção não só de governos, mas de comunidades, de que tudo que existe de ruim no Brasil é culpa da Vale. Comunidades que não tiveram nada a ver com nenhum dos dois acidentes, mas que sofrem algum tipo de influência das operações da Vale, entendem que ela é responsável por tudo.
O presidente não está falando disso. O que ele diz é que a empresa é um monopólio mineral e precisa prestar contas ao Brasil e “pensar no povo”.
Vamos separar por partes. A Vale já era muito grande quando foi privatizada em 1997. E de 1997 até 2021, foi controlada por um grupo em que o BNDES e a Previ tinham elevado grau de influência. Hoje não é mais assim, mas, se for para contar a história como ela é, o governo federal estava na empresa quando aconteceu Mariana.
Por que essa Vale de hoje é a responsável por não ter conseguido resolver 100% das indenizações, e não aquela de 2015, em que o BNDES era parte do grupo de controle? Por que não é chamada pelo presidente a se explicar? Quem era o presidente do BNDES em 5 de novembro de 2015, quando rompeu a barragem? Tem que perguntar ao Luciano Coutinho onde estava o BNDES, acionista controlador da Vale, quando rompeu Mariana. Tem que perguntar ao BNDES onde estava quando rompeu Brumadinho, e aí já era o governo Jair Bolsonaro.
O presidente Lula queria colocar Guido Mantega como CEO da Vale. Como isso chegou para vocês
Nunca chegou nada oficial ou através de qualquer pessoa que tivesse relação com o governo ao conselho da Vale sobre nenhuma indicação, seja de Guido Mantega ou Paulo Caffarelli.
Mas o senhor atribui essas informações a uma especulação ou uma movimentação de bastidores que não prosperou?
Acredito que seja uma movimentação de bastidores que não prosperou.
Recentemente o conselheiro José Luciano Duarte Penido renunciou, disse que estava saindo por causa de uma “evidente e nefasta influência política”. O que ele quis dizer?
Não tem nada disso. Mas ele colocou de forma tão genérica que, agora, até quem for conduzir o processo de seleção já está sujeito a uma exposição de imagem, porque segundo ele vai ter interferência política. O que ele fez, no meu ponto de vista, foi tentar dar uma satisfação para um público que não sei qual é, mas fez acusações muito fortes e que vão ter que ser apuradas.
Já foi aberto algum tipo de apuração no conselho?
Não. Mas como parte indiretamente afetada entendo que deve ser.
O senhor vai propor?
Não preciso propor, tem coisas que são automáticas. Se existe a denúncia, quem não apurar corre o risco de ser responsabilizado por omissão. Eu não acredito que ninguém vai querer correr esse risco dentro da Vale.