Um broche da linha Bird on a Rock — Pássaro sobre pedra, um diamante, no caso, criação de Jean Schlumberger e um ícone da Tiffany & Co — estava à mostra, até meados deste mês, na loja da marca do grupo LVMH no Shopping Iguatemi, em São Paulo.
A peça, em platina e ouro amarelo, com um diamante amarelo intenso e cravejada de brilhantes, tem preço de R$ 8,5 milhões. Sua exibição numa vitrine brasileira atesta, como mostrou reportagem do GLOBO publicada no domingo, o novo patamar em que chegou a alta joalheria no Brasil.
Há peças dessa linha em outra unidade paulistana da Tiffany, no Shopping Cidade Jardim, com preços que alcançam R$ 1,04 milhão. A presença da cacatua criada pelo designer em 1965 no Brasil é uma novidade, e não é à toa. Reflete o avanço do país no consumo de alta joalheria. São itens com valores acima de US$ 100 mil, incluindo, no topo dessa oferta, joias únicas.
— O brasileiro já comprava alta joalheria, mas em Paris, Londres, Nova York. Agora, depois da pandemia, faz isso localmente, e não apenas viajando. As vendas crescem porque, dessa forma, há mais oportunidades de compra — explica Gabrielle Zuccarelli, sócio e líder da prática de Varejo da consultoria Bain na América do Sul. — É uma classe que não sofre com altos e baixos da economia e que avança em renda.
A pandemia impulsionou esse movimento, e não apenas por ter puxado o aumento no consumo de joias como um todo — por indulgência, uso de recursos que deixaram de ser destinados a viagens e outros programas de lazer ou investimento perene —, mas por ter ampliado a rede de serviços e experiências oferecidas pelas marcas de alta joalheria internacional no Brasil.
Essas companhias perceberam esse movimento e estão reforçando as apostas em abertura e renovação de lojas, eventos e relacionamento próximo à clientela. Tudo costurado com personalização e exclusividade, como é mandatório no mercado de luxo.
Anthony Ledru, CEO da Tiffany & Co, confirma a tendência, explicando que o sortimento de alta joalheria não era trazido anteriormente para o Brasil. São peças que, nos últimos anos, vinham em eventos. Em 2022, por exemplo, a joalheria reuniu convidados para a primeira visita do raro Diamante Tiffany à América Latina, numa curta passagem por São Paulo. A gema rara, com 128,54 quilates e que sequer tem valor, fica em exposição na loja da Quinta Avenida, em Nova York.
Marcas de luxo investem no país
Nesse evento, joias exclusivas foram apresentadas a uma clientela escolhida a dedo. E um broche Bird on a Rock foi vendido quase de imediato, conta o executivo, que prepara a renovação das lojas paulistanas da Tiffany, prometendo entregar as “duas lojas-conceito mais sofisticadas da marca na América do Sul” entre este ano e o próximo.
— Vimos que havia demanda de compra de primeira vez de alta joalheria. Não falo de peças de US$ 1 milhão, mas de US$ 150 mil e US$ 200 mil. É uma evolução para o Brasil. Significa que o país está se tornando um lugar onde se pode ter a oferta top — afirma Ledru. — Acredito que vai acontecer com outras marcas que, como nós, querem dar mais razões para os brasileiros comprarem em casa.
Isso já está acontecendo, como destaca Robert Bruce Harley, CEO da JHSF Malls — com um portfólio de shoppings que inclui o Cidade Jardim. Ele destaca que o serviço é o conceito central, com força na alta renda.
— O padrão para esse público é muito diferenciado. As marcas trazem peças únicas, atendimento muito específico, artesanal, com eventos exclusivos. Investem em espaços especiais, VIP Rooms (salas para clientes muito importantes, em inglês).
Essa evolução impacta serviços do próprio shopping. O CJ Fashion Private Shopper, de atendimento exclusivo a clientes para necessidades de compra, de dois anos para cá, tem a joalheria como a segunda categoria de maior demanda, atrás apenas de moda.
No ano passado, conta Harley, a francesa Cartier, de joias e acessórios, abriu no endereço paulistano uma loja-conceito. A italiana Bulgari — do mesmo grupo da Tiffany & Co — fez o mesmo, também chegando ao Cidade Jardim com sua maior unidade na América Latina e trazendo coleções exclusivas de alta joalheria.
Esse segmento é também a âncora de um evento que outra francesa, a Hermès, famosa pelos lenços de seda e acessórios em couro, realiza mês que vem no shopping. Em meados do ano, a joalheria Van Cleef & Arpels, já presente no Iguatemi, chega ao Cidade Jardim, lista Harley.
— Mesmo marcas que não atuavam em alta joalheria estão entendendo esse movimento e ingressando no segmento, como é o caso da (italiana) Fendi, por exemplo. Localmente, vemos investimento em novas lojas e também em e-commerce, para ampliar a distribuição — explica Gustavo Franco, professor do Hub de Moda e Luxo da ESPM.
Preço competitivo
Há dois facilitadores específicos ao consumo dessas joias no Brasil. Um é o pagamento parcelado. Outro é que os preços se tornaram competitivos com os do exterior, segundo a Bain. Para Zuccarelli, as marcas internacionais acabam, de alguma forma, “subsidiando” impostos de importação.
— Costumava haver impostos elevados demais no Brasil. Agora, a diferença de preço não é mais tão grande, estamos falando de 10% a 20%. Costumava ser de 40% ou mais. Imagina vender peças com preços a partir de US$ 100 mil com 40% a mais? — pondera Ledru, reconhecendo esforços do governo brasileiro para que as pessoas declarem corretamente bens trazidos de fora.
O Brasil entrou no circuito de países que recebem peças únicas da Tiffany. Como elas rodam lojas pelo mundo, acabam levadas de uma cidade para outra. Foi assim que o Bird on a Rock que estava no Iguatemi partiu para os EUA.
Na direção contrária, chega ao país em abril a coleção de relógios inspiradas no ícone de Schlumberger. Lançada em 2023, a linha está sendo ampliada. Tem peças com valores em torno de R$ 1 milhão, com produção na suíça e limitada a menos de 30 unidades por ano. Traz um mecanismo que permite que o pássaro se mova ao redor do mostrador, enquanto o usuário se mexe.
São Paulo, motor econômico do país, concentra essa escalada rumo ao topo da joalheria internacional.
Estudo da Bain & Company mostra que o mercado de luxo no Brasil deve movimentar R$ 133 bilhões no país em 2030, um salto sobre os R$ 74 bilhões registrados em 2022, após expansão de 18% ao ano desde 2018. Dentro desse mercado, o segmento de moda e itens pessoais, que inclui joias, pode passar de R$ 18 bilhões para até R$ 20 bilhões, com uma expansão estimada em 8% a 10% ao ano.
A população de alto poder aquisitivo no Brasil, diz a consultoria, representa menos de 1% do total, ou 1,2 milhão de pessoas que somavam em 2022 R$ 3,5 trilhões em riqueza. Como um todo, são aquelas com ao menos US$ 100 mil em ativos líquidos. Uma fração deste grupo é o que consome alta joalheria, ou 114 mil pessoas, com a partir de US$ 1 milhão em ativos líquidos.