A visita ao Brasil que o presidente da França, Emmanuel Macron realiza a partir de terça-feira (26) deve marcar o capítulo principal de uma aliança política pensada por ambos ele e Lula (PT) como uma espécie de ponte entre os países ricos e o chamado Sul Global —uma parceria que começou a ser construída antes de mesmo de o petista iniciar seu terceiro mandato.
Macron é visto como aliado estratégico por Lula por duas razões: primeiro, porque ele o recebeu com honrarias no Palácio do Eliseu em novembro de 2021, quando o petista era a principal liderança de oposição contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O gesto foi calculado tanto para relançar Lula como ator de alcance global como para provocar o então chefe de Estado brasileiro, com quem o francês vinha acumulando atritos desde 2019.
Em segundo lugar, auxiliares de Lula consideram a França o país do G7 (grupo liderado pelos EUA e que reúne as principais economias do Ocidente) com a política externa mais independente. Aos olhos do Planalto, assim, ela teria maior disposição para adotar iniciativas que não são teleguiadas pelos americanos.
Como exemplo, conselheiros do petista lembram que Macron já defendeu maior autonomia da Europa e argumentou que o bloco não deve necessariamente se alinhar às posições americanas no quadro atual da geopolítica.
Nesse sentido, o Palácio do Planalto vê o presidente francês como um líder que pode levar alguns dos temas caros aos países emergentes, ou o chamado Sul Global —para usar uma expressão que caiu no gosto de Lula— à mesa do G7.
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De acordo com uma fonte da diplomacia francesa, Macron também enxerga em Lula um chefe de Estado capaz de atuar como intermediário entre os países ricos e as economias em desenvolvimento.
Essa autoridade do governo da França diz que há convergência estratégica entre os dois países e que ambos possuem a capacidade de falar com outros atores regionais. Segundo ela, trata-se de uma qualidade necessária para melhorar o diálogo entre esses dois polos do globo.
A visita de Estado de Macron foi pensada para transmitir a mensagem de que o Brasil, ao menos no aspecto político, diferencia os franceses dos demais sócios europeus.
O presidente francês permanecerá três dias no país e participará de uma agenda densa de compromissos em quatro cidades: Belém (PA), Itaguaí (RJ), São Paulo (SP) e Brasília (DF). Lula só não o acompanhará nas atividades em São Paulo.
Cada cidade concentrará um eixo da relação bilateral entre França e Brasil. Belém, sede da COP30 no próximo ano, será palco das discussões sobre meio ambiente. No estaleiro naval de Itaguaí, ambos vão celebrar uma cooperação na área da defesa, cujo principal símbolo é o Prosub (Programa de Desenvolvimento de Submarinos). Em São Paulo, haverá um fórum econômico com empresários dos dois países e anúncios no setor da saúde.
Por fim, Macron e Lula tratarão de temas políticos —e de negociações comerciais— no Palácio do Planalto.
Lá, a pauta deve incluir assuntos da geopolítica atual, entre eles a guerra na Ucrânia. Ambos os líderes já tentaram assumir posições de mediadores no conflito, sem sucesso. Mais recentemente, o francês deu declarações que aumentaram as tensões com a Rússia ao sugerir que poderia enviar tropas para lutar na Ucrânia.
Lá fora
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Essa escalada retórica gerou preocupação no Planalto e torna evidente um ponto de divergência nessa aliança política. O Brasil tem advogado por negociações de paz entre Rússia e Ucrânia e destacado que não é possível alienar Moscou do processo.
Em Paris, o diagnóstico é de que Brasil e França possuem uma agenda comum, que se apoia na ideia de negociações no âmbito político para a resolução de conflitos, mas têm análises distintas sobre a situação.
Diferenças de visões também estão presentes quando se trata da outra grande crise de segurança da atualidade. Ambos os países defendem que a solução para a guerra na Faixa de Gaza passa pela criação de um Estado da Palestina, mas divergem quanto ao uso de algumas terminologias, como a da palavra “genocídio” para descrever o cenário na região.
Durante a visita de Macron, o plano é direcionar a discussão para pontos consensuais entre os dois governos tanto no tema da Ucrânia como no de Gaza.
As situações no Haiti e na Venezuela também devem ser colocadas na mesa durante o encontro bilateral.
A agenda de Macron no Brasil
Terça-feira (26)
Reunião com Lula em barco navegando em rio de Belém; encontro com líder comunitária e lideranças indígenas na Ilha do Combu (PA)
Quarta-feira (27)
Inauguração de submarino em Itaguaí (RJ); participação em fórum econômico da Fiesp; inauguração do Instituto Pasteur, na USP; jantar seguido de caminhada noturna na avenida Paulista
Quinta-feira (28)
Reunião e assinatura de atos no Palácio do Planalto; almoço no Palácio do Itamaraty; recepção no Congresso Nacional
Os dois presidentes pretendem ainda trocar experiências sobre práticas de combate à desinformação e à disseminação de notícias falsas. Macron deve relatar a Lula as regulamentações adotadas na Europa para aumentar a responsabilidade das plataformas e redes sociais no ambiente digital. É o caso, por exemplo, da DSA (Lei de Serviços Digitais, na sigla em inglês), que busca blindar os utilizadores de conteúdo prejudicial (como a desinformação política) e ilegal.
Se diplomatas dos dois lados veem espaço para entendimentos no âmbito político, nas esferas comercial e ambiental a conversa de Macron e Lula pode evidenciar mais diferenças do que as convergências.
A expectativa é de que não haja avanços nas negociações sobre o acordo União Europeia-Mercosul, uma vez que a França é hoje a maior força de resistência ao tratado.
Já no campo ambiental, apesar do simbolismo dos compromissos em Belém, os franceses frustraram as autoridades brasileiras ao sinalizar que não pretendem anunciar, durante a visita de Macron, doação para o Fundo Amazônia —o principal mecanismo de financiamento de ações de preservação no bioma.