Desde o início de 2019, o presidente Jair Bolsonaro vem adotando medidas que facilitam a comercialização e a posse de armas no Brasil. A mais recente delas é um extenso decreto, publicado em 7 de maio de 2019, que substitui ou altera oito outros decretos. Entre outros pontos, ele amplia os casos em que cidadãos podem circular armados.
O documento também permite a qualquer cidadão comprar armas que usam munição mais pesada, e que dão tiros mais rápidos e potentes. Uma reportagem do Jornal Nacional, da TV Globo, de segunda-feira (20), chamou atenção para um ponto que havia passado despercebido em um primeiro momento: entre essas armas estão fuzis.
Anteriormente, fuzis eram de uso exclusivo das Forças Armadas. Segundo a fabricante de armamentos Taurus, já há uma fila de 2.000 interessados na arma.
O que o decreto estabeleceu
O novo decreto libera para civis armas de porte que, com uso de munição comum, poderiam atingir energia cinética de até 1.620 joules. Quanto maior a velocidade e a massa de uma bala, maior sua energia cinética e sua potência.
A nova regra se sobrepõe ao que havia sido definido pelo decreto 3.665, de 2000, que determinava que armas longas, como os fuzis, que têm dimensões e peso acima da média, eram disponibilizadas a civis apenas quando davam tiros de até 1.355 joules. Entre armas curtas, que podem ser operadas com uma ou duas mãos, sem auxílio do ombro, o limite era de 420 joules.
As regras anteriores também traziam exemplos de calibres que as armas poderiam ter, algo que não ocorre no novo decreto.
O fuzil liberado por Bolsonaro
Logo após a publicação do decreto, entidades de defesa dos direitos humanos e veículos de imprensa divulgaram uma série de armamentos que devem passar a estar disponíveis para a população civil. Entre eles, espingardas semiautomáticas de calibre .12 e carabinas semiautomáticas.
Mas é difícil mensurar completamente o efeito do dispositivo, porque ele é amplo e abre o mercado brasileiro para importações. Por isso, equipamentos vendidos internacionalmente e hoje pouco conhecidos no Brasil estarão disponíveis para civis.
No dia 20 de maio, a fabricante brasileira de armamentos Taurus confirmou ao Jornal Nacional que uma versão lançada em 2017 do fuzil T4, usado atualmente por forças táticas militares, se encaixa nas novas especificações de Bolsonaro.
O T4 tem força cinética de 1.320 joules, e calibre 5.56, ou seja, diâmetro do cano de 0,556 polegadas.
A versão disponível para civis é a semiautomática, que dá um tiro para cada vez em que o gatilho é pressionado. A versão automática é aquela que começa a atirar assim que o usuário aperta o gatilho, e que cessa apenas quando o solta.
À reportagem, a empresa disse ainda que só espera a regulamentação do decreto para começar a vender o fuzil T4 para civis. Na manhã seguinte à reportagem, as ações da fabricante de armamentos tiveram alta.
É possível ainda que fuzis de outras marcas se encaixem nas definições do decreto de Bolsonaro. Ao G1, a Casa Civil, um órgão ligado diretamente ao presidente da República, negou a informação sobre o fuzil T4, e disse que ele continua sendo de uso restrito.
Entidades independentes, como o instituto Sou da Paz, que trata de segurança pública e direitos humanos, afirmam, porém, que o decreto de fato libera esse modelo de armamento, da forma como foi redigido. O Nexo conversou com Bruno Langeani, coordenador do instituto, a respeito das alterações.
O potencial mortífero de um fuzil
Fuzis começaram a ser utilizados na segurança pública brasileira a partir da década de 1970, quando as polícias do Rio de Janeiro os incluíram em sua lista de compras. A aquisição foi uma tentativa de fazer frente a armamentos que vinham sendo encontrados junto a membros do crime organizado.
Desde 2008, o estado passou a substituir parte desses armamentos por carabinas, que têm cano e alcance mais curtos.
Isso porque fuzis são extremamente destrutivos, usados no geral em zonas de guerra. Langeani, do Sou da Paz, afirma que os disparos de armas com essa potência atingem distâncias longas.
Além disso, munições com energia cinética como a sua têm maior capacidade de atravessar tanto o alvo quanto obstáculos, como paredes e portas. Isso diminui o controle de quem atira sobre a quem a arma irá ferir.
“Alguns calibres de fuzil têm um orifício de entrada pequeno e um orifício de saída muito grande [após atingir e atravessar um alvo]. Eles raspam órgãos e tecidos, e deixam um buraco grande na saída, com muita perda de sangue. São armas projetadas para a guerra, o objetivo é matar da forma mais eficiente possível. Por isso, não faz sentido falar de uso civil”, diz o pesquisador.
Mercado legal alimenta também o crime
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Uma pesquisa publicada pelo Sou da Paz em 2016 analisou o perfil de armas apreendidas em 2014 em Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Ela concluiu que, nesses estados do Sudeste, a maior parte das armas apreendidas era nacional e havia sido adquirida legalmente em um primeiro momento, para depois chegar a criminosos.
Isso indica que o tipo de armas adquiridas por civis em geral é na maioria dos casos o tipo de arma utilizado por civis criminosos. No levantamento do Sou da Paz, apenas 1% das armas apreendidas eram fuzis, que eram então de uso restrito das Forças Armadas, e 49,4% eram revólveres, que já estavam disponíveis a civis.
Com as novas regras, Langeani acredita que fuzis ficarão mais disponíveis não só para a população em geral, mas para os criminosos.
“Muitos argumentam que o bandido acessa qualquer tipo de armas, e que o resto da população também deveria poder. Mas temos pesquisas que mostram que a esmagadora maioria dos calibres que estão com os criminosos são aqueles permitidos [por lei], porque há uma relação entre mercado legal e ilegal. Quando se libera armas de um calibre, sabe-se que elas serão desviadas”
Bruno Langeani
Consultor do Sou da Paz, em entrevista ao Nexo Foto: Ricardo Moraes/Reuters Estande da fabricante de armas Taurus, em feira de armamentos no Rio de Janeiro, em abril de 2019
A reação à medida
Logo após o decreto ser promulgado, em 7 de maio, Congresso e Judiciário passaram a questioná-lo.
A Rede Sustentabilidade ingressou no dia 8 com uma ação no Supremo Tribunal Federal, em que pede a suspensão dos efeitos da medida de Bolsonaro, alegando que ela extrapolaria os poderes de um decreto presidencial ao suplantar o Estatuto do Desarmamento, aprovado pelo Congresso em 2003. Por isso, ela feria a competência exclusiva dos parlamentares de legislar.
A Rede afirma ainda que o governo não apresentou, para embasar a medida, evidências científicas de que facilitar o porte de armas beneficia a segurança pública do país.
A ministra Rosa Weber, do Supremo, foi sorteada como relatora dessa ação. Em 10 de maio, ela determinou que Bolsonaro e o ministro da Justiça, Sergio Moro, apresentassem informações sobre a medida.
Representantes de diferentes partidos — como PT, Rede, PSOL e Cidadania — apresentaram no Congresso propostas de decreto legislativo, um dispositivo legal capaz de anular decretos presidenciais.
Nesse caso, os parlamentares precisariam aprovar o decreto legislativo por maioria simples em plenário — uma votação na Câmara e outra no Senado. O presidente da República não tem poder de vetar um decreto legislativo. Pareceres técnicos das duas casas legislativas afirmam haver problemas no decreto.
Os documentos dão força a possíveis vetos de parlamentares à medida de Bolsonaro. Na Câmara, o parecer da área técnica foi feito a pedido do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que considerou haver ilegalidades no texto.
Segundo os técnicos, houve uma extrapolação dos poderes de um decreto presidencial ao contrariar o próprio Estatuto do Desarmamento.
Na terça-feira (21), 14 governadores de 13 estados e do Distrito Federal pediram a “imediata revogação” do decreto de 7 de maio. Eles afirmam que ele não contribuirá para a segurança, e que terão impacto negativo por aumentar a quantidade de armas e munições à disposição de criminosos.
No mesmo dia, a ONG Anistia Internacional, focada em direitos humanos, lançou a campanha “Brasil para todo mundo” que, entre outros pontos, pede a revogação do decreto que facilita o acesso a armas.
“No que se refere aos decretos que ampliam a posse e o porte de armas temos a preocupação com essa ampliação indiscriminada que pode significar maior vulnerabilidade para determinados grupos e populações. Não acreditamos que se resolverá o problema da segurança pública com mais armas. Ao contrário, estudos mostram que quanto mais armas, mais mortes”, afirmou ao G1 Jurema Werneck, diretora-executiva da entidade no Brasil.
Fonte: Nexo Jornal