O governo de Javier Milei sofreu um novo revés na última quinta-feira (14/3) quando o Senado rechaçou o seu Decreto de Necessidade e Urgência (DNU), fazendo-o ir para o Congresso que, há um mês, derrubou a sua Lei Ônibus. Depois de ter saído em uma cruzada contra o que chamou de “traidores” dentro de sua base de apoio, o libertário tenta agora dialogar com os mesmos para evitar a queda da principal sustentação legal de seu programa governo.
Pela lei, um DNU, que funciona semelhante à Medida Provisória no Brasil, é válido até que ambas as casas parlamentares o rejeite. Agora que, pela primeira vez na história, o Senado deu o seu voto de rejeição, resta à Câmara de Deputados o voto final. A lei também diz que uma das casas pode simplesmente não analisar o decreto, o que manteria a sua vigência. Isso dependerá do quórum formado para analisá-lo e de pressões para que o presidente Martin Meném o coloque em votação.
Em um mau sinal para o governo, o mercado reagiu com pessimismo à rejeição do DNU, com queda de ações. Os próximos dias serão fundamentais para avaliar qual será o futuro do programa político e econômico de Milei que acabou de completar três meses a frente da Casa Rosada e já acumula uma série de reveses.
Segundo cálculos do jornal La Nación, a oposição peronista e da esquerda – que é considerada o núcleo duro contra o governo – não reúne o número de votos suficientes para derrubar o decreto, diferentemente da realidade que havia no Senado. Mas a distância é pequena. Pelos cálculos, há atualmente 109 deputados que com certeza votariam contra e mais dois ou três que dão a entender que o rejeitariam. Para um rechaço é necessário a maioria simples de 129 votos.
É por isso que, para evitar que o decretaço seja rejeitado na plenária, o governo terá de voltar à mesa de negociação com a oposição chamada de “dialoguista”, que é aquela que, embora componha a oposição ao governo, se mostra aberta a dialogar em certos temas – uma espécie de centrão argentino. Já a base de Milei é composta pelos libertários, o PRO de Mauricio Macri e alguns membros do radicalismo.
A dúvida é se deputados do radicalismo e de algumas províncias do PRO continuarão acompanhando o governo depois das últimas semanas de guerra aberta. Deputados de Neuquén, Rio Negro, Chubut e Santa Cruz – que seriam cinco cadeiras – não sinalizam como pretendem votar. Estas são as províncias que há algumas semanas ameaçaram cortar o petróleo do país caso o governo federal não liberasse verbas retidas.
O voto de Martín Lousteau no Senado também surpreendeu. O senador é presidente da União Cívica Radical e rechaçou o decreto, abrindo uma batalha dentro de seu partido que, até então, era base do governo. Lousteau argumenta que o DNU é inconstitucional – uma avaliação que a Suprema Corte ainda deve fazer.
“O Congresso pode rejeitar um DNU com uma maioria de votos em cada uma das câmaras. Portanto, se o presidente não quiser que um DNU seja rejeitado, ele precisa garantir o apoio da maioria em pelo menos uma das duas câmaras”, explica a cientista política Ana María Mustapic ao site de checagem argentino Chequeado.
A fratura da base começou justamente por uma questão de votos no Congresso. Depois de uma vitória importante da Lei Ônibus (que também busca modificar setores da economia e do Estado argentino, mas em temas que não se pode tratar via DNU), apenas quatro dias depois o governo viu seus artigos caindo um por um quando deputados de sua base passaram a votar contra. Em resposta, Milei retirou o projeto de votação, perdendo a sua validade.
Além dos deputados, Milei disparou contra os governadores radicais e do PRO, que possuem grande influência no partidos e nos votos das casas legislativas. A redução de repasses de mais de 90% para as províncias fez a guerra escalar no mês passado.
Em seu discurso na aberta das sessões legislativas, em 1 de março, Milei lançou que poderia “governar sem o Congresso”, mas buscou baixar o tom ao propor um “Pacto de Maio”, em que se propõe a dialogar com os governadores que ganharam bandeira branca para modificar a lei ônibus antes que ela retorne para votação.
Com o revés de ontem, Milei disparou nesta sexta-feira (15) que o resultado “lança dúvidas” sobre o pacto com os governadores. “O que aconteceu no Senado abre algumas dúvidas. Mas quando fiz o discurso na assembleia legislativa, eu disse: Se eles querem confronto, haverá confronto. Se eles querem um acordo, vamos buscar o acordo. Ontem, eles não mostraram que não estavam indo para o caminho do acordo, eles decidiram ir para a obstrução e manter seus privilégios”, afirmou.
A questão é que, agora, deputados e governadores ganham um componente a mais ao ver que o governo está tão refém do que decidirem. O cenário também abre brechas, inclusive, para se engrandecerem nas negociações de outros temas, como pacote fiscal, que é tão sensível para as províncias. Com a soma de reveses e cada dia mais em queda a popularidade do presidente, o jogo de poderes começa a se inverter.
Já nessa sexta, enquanto ainda digeria a derrota do DNU no Senado, o ministro do Interior Guillermo Francos se reunia com os deputados do bloco “dialoguista” para tratar de uma “nova Lei Ônibus”, com canetadas de governadores.
O governo, contudo, ainda tem algumas alternativas para dar sobrevida ao decreto. Uma delas é buscar ele próprio colocar a votação do DNU em pauta, aproveitando que os votos da oposição ainda não são suficientes para derrubá-lo. Isso exigiria um diálogo ainda mais rápido e profundo com o setor “dialoguista”, exigindo que Milei provoque menos atritos.
A outra é seguir o mesmo caminho que fez Mauricio Macri em 2018 quando um DNU que emitiu estava em caminhos de ser rejeitado: criar “leis espelhos”, ou seja, picotar o DNU e transformá-lo trecho por trecho em projetos de lei. Isso ainda exigiria diálogo, mas daria mais tempo de negociação, e derrotas pontuais em projetos não seriam como a derrota de um decreto inteiro.
Ontem, antes mesmo do fim da sessão no Senado, o deputado Cristian Ritondo, que presidente o bloco do PRO, apresentou três projetos de lei que replicam um dos capítulos-chave do megadecreto: o da reforma trabalhista, que foi suspenso pela Justiça em janeiro.
Isso se a Suprema Corte não decidir ela própria derrubar o DNU por inconstitucionalidade, como argumenta a ação movida que corre no momento. Vale lembrar que a Justiça já decretou a inconstitucionalidade do trecho que trata da reforma trabalhista.
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