Desde sua aprovação, em 1997, ocasionalmente volta à baila a proposta de pôr fim à reeleição para as chefias dos Executivos federal, estadual e municipal. Os argumentos apresentados são, no mais das vezes, vagos e apontam problemas que pouco têm a ver com a reeleição propriamente dita.
Costuma-se dizer, por exemplo, que o incumbente, aquele que ocupa o cargo durante a disputa eleitoral, usa a máquina em seu favor, o que desequilibra o jogo. Isso é certamente verdade em boa parte dos casos, mas é igualmente fato que se usa a máquina também para eleger um sucessor do respectivo partido ou grupo político. Portanto, o fim da reeleição não eliminaria o problema, mas apenas faria com que a instrumentalização do aparato governamental buscasse beneficiar outro que não o próprio incumbente.
Pesquisa de Fernanda Marciniuk e Maurício Bugarin, publicada como artigo na Revista Brasileira de Economia, demonstra que prefeitos que concorrem à reeleição têm comportamento fiscal mais responsável do que aqueles que não tentam a recondução ao cargo. O achado converge com estudos anteriores, que apontam efeitos positivos não só no fiscal, mas também no concernente à corrupção. Ora, se há evidência empírica de que até as contas públicas e a probidade administrativa melhoram com o instituto da reeleição, por que acabar com ela?
Provavelmente porque as preocupações principais dos que pretendem extinguir o instituto não sejam melhorar a democracia brasileira, as contas públicas ou a qualidade dos governos, mas tão somente abrir espaços na disputa eleitoral, tornando a competição política menos árdua para desafiantes.
Não à toa, frequentemente candidatos de oposição se declaram contra a reeleição para, tão logo eleitos, decidirem que pretendem tentar sua recondução ao cargo. Foi assim com Lula e, depois, com Bolsonaro. Foi assim com o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite. Assim como é com outros políticos que, embora reeleitos para seus cargos no Executivo, hoje se declaram contrários à reeleição, pois ambicionam voos mais altos.
Mas, claro, como é de democracia que se trata, precisamos nos perguntar se a possibilidade de reeleição para o Executivo é boa para os eleitores (e não só para os políticos).
Hoje o eleitorado tem duas opções ao final do primeiro mandato de um prefeito, governador ou presidente da República: reconduzir ao cargo o incumbente ou optar por um desafiante. Aprovando o governante e avaliando que é melhor mantê-lo do que arriscar substituí-lo, o eleitor tem o direito de fazer tal opção. Caso prefira não reeleger, sempre há oposicionistas nos quais se pode votar.
Eliminando-se a reeleição, tira-se do eleitorado essa alternativa, e lhe sobra a opção de apostar num sucessor alinhado ao incumbente, acreditando que dará seguimento ao governo aprovado. Isto é, em vez de as aumentar, o fim da reeleição reduz as alternativas eleitorais disponíveis. Isso, na prática, significa menos democracia.
É óbvio que nem por isso se deve instituir a reeleição ilimitada, pois aí a vantagem de mais alternativas eleitorais tende a ter como contrapartida negativa o risco de um acúmulo de poder demasiado nas mãos de um incumbente que se perpetue no cargo. Como na culinária, a arte da institucionalidade democrática está na combinação equilibrada dos ingredientes. Aprimorar essa institucionalidade é possível e desejável. Acabar com a reeleição, contudo, não é aprimoramento, mas retrocesso.
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