Presidente da Casa da Moeda nomeia advogado de empresa da família

Estatal mudou regras para permitir que advogado não precise trabalhar no Rio de Janeiro

O presidente da Casa da Moeda, Eduardo Zimmer Sampaio, nomeou o advogado da empresa de sua família e amigo Jimmy Bariani Koch como assessor para processo de negociações coletivas de trabalho. A Casa da Moeda conta hoje com 24 advogados em sua assessoria jurídica.

Nomeado em regime de teletrabalho (home office), Koch não precisa deixar Porto Alegre, onde mantém um escritório, para prestar serviços à Casa da Moeda.

O advogado foi nomeado por Sampaio no dia 31 de outubro de 2019, sendo vinculado à Diretoria de Compliance como celetista e com salário de R$ 16,5 mil mensais. Em dezembro, sua remuneração foi de R$ 19,3 mil, incluindo parcela do 13º terceiro.

Koch atua há pelos menos cinco anos como defensor da Sampaio Distribuidora de Aço, empresa da família do presidente da Casa da Moeda. Ele foi sócio e diretor da distribuidora por 16 anos, até 2016.

O comando da estatal diz que a reconhecida experiência de Koch, grau de confiança e inexistência de conflito de interesses levaram a sua contratação, “lembrando que se trata de cargo de livre nomeação e de confiança do presidente da empresa”.

“Considerando que, desde o início, o assessor informou que não abriria mão da advocacia particular, pois não poderia abandonar seus clientes, a Casa da Moeda fez questionamento ao Comitê de Ética sobre a existência de algum impedimento”, afirmou, em nota, o diretor de Compliance, Marcelo Corletto.

Como resposta, acrescentou, “o Conselho de Ética informou não haver impedimentos, salvo em relação ao exercício da advocacia contra a própria Casa da Moeda ou a União”.

Segundo a página do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (Santa Catarina) na internet, dois meses antes de ser nomeado assessor da instituição, Koch foi designado representante legal da Sampaio Distribuidora de Aço em uma ação movida por um ex-funcionário da empresa.

No dia 22 de outubro, nove dias antes da nomeação, a Casa da Moeda publicou as normas para um projeto-piloto de teletrabalho. A regra permitia que o empregado ficasse em regime de teletrabalho de três até quatro dias por semana, devendo comparecer nos demais.

No dia 1º de novembro, esse parágrafo ganhou novo texto, excluindo a necessidade de comparecimento à empresa. Pela nova regra, o empregado deverá ser avisado com ao menos uma semana de antecedência quando sua presença for necessária.

Sampaio e Koch estudaram no mesmo colégio em Porto Alegre. A mulher do presidente da estatal é amiga da esposa de Koch e de outros parentes do advogado, segundo registro das redes sociais.

De acordo com o Sindicato Nacional dos Moedeiros, até hoje, o advogado esteve duas vezes no escritório da Casa da Moeda, uma delas para a sua nomeação.

“Ali é a república do Rio Grande do Sul”, disse o presidente do sindicato, Aluizio Júnior, em alusão à presença de três gaúchos nas cinco cadeiras de comando da instituição.

O sindicalista conta que, na sexta-feira (10), data marcada por paralisação de funcionários, uma reunião entre a diretoria a os empregados foi encerrada em plena costura de um acordo porque Koch não atendia aos telefonemas da diretoria. Presentes, as chefes do departamento jurídico da estatal não foram consultadas sobre a proposta em debate.

Como Koch não respondia às chamadas, a negociação teve que ser interrompida, alimentando novas discussões.

A diretoria da estatal afirma que o assessor não foi nomeado como advogado da Casa da Moeda, “de modo que seu trabalho não substitui o prestado pelos advogados integrantes do jurídico interno da empresa”.

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O comando da empresa afirma serem trabalhos complementares, mas ressalta: “Não há como deixar de dizer, contudo, que os advogados que integram o corpo jurídico da Casa da Moeda são também empregados da empresa, de modo que toda e qualquer alteração pretendida em termos de benefícios os afeta diretamente, o que atrai possível conflito de interesses e, inclusive, pressão dos demais empregados”, diz Corletto

Uma semana após o início desses protestos, o comando da estatal instituiu comissão interna para apurar a participação dos funcionários e avaliar desconto no salário por paralisações na linha de produção de cédulas, moedas, passaportes e selos.

A comissão terá também a atribuição de investigar atos violentos no parque industrial da empresa, em Santa Cruz, na zona oeste do Rio. Para o Sindicato Nacional dos Moedeiros, a medida é um ato de retaliação pela rejeição de proposta da diretoria para acordo de trabalho provisório.

A portaria de criação do comissão é assinada por Sampaio e tem como justificativa “as manifestações realizadas dentro e fora da CMB [Casa da Moeda do Brasil], assim como na imprensa e em redes sociais”.
Diz que considera “o respeito à garantia de liberdade de expressão, com a devida identificação de ofensas, ataques e mentiras”.

O texto determina a apuração de “abusos ocorridos, tais como ofensas, ameaças e atos de vandalismo”, com proposição de medidas cabíveis, e a “ausência [dos funcionários] dos postos de trabalho para a realização de eventuais descontos”.

No dia 10 de janeiro, funcionários pararam as atividades no meio da tarde e invadiram a área administrativa do parque industrial. Sob vaias, Sampaio teve que ser escoltado por seguranças para deixar o edifício.

No dia 13, novos protestos foram realizados, levando a direção a despachar no Museu da Casa da Moeda, no centro do Rio, a cerca de 70 quilômetros de distância da fábrica. Há relatos de brigas entre funcionários de posições políticas divergentes durante os dias de maior tensão.

No dia 16, a empresa disse que as atividades estavam normais. As paralisações não chegaram a afetar a entrega de passaportes, segundo a Polícia Federal. O Banco Central disse que mantém estoque de segurança de cédulas e moedas.

Estatal e funcionários vivem impasse relacionado à renovação do acordo coletivo em 2019, processo que chegou a ser mediado sem sucesso pelo Tribunal Superior do Trabalho. No início de 2020, a empresa anunciou o corte de benefícios enquanto o dissídio não é julgado pelo tribunal.

O sindicato diz que os cortes representam perda salarial média de R$ 2.500 e que parte dos funcionários virá com contracheque zerado no fim do mês. Eles rejeitaram proposta de acordo provisório, com vigência até o julgamento.

“Nosso entendimento é que [a criação da comissão] é uma retaliação. Se eles dizem que as atividades não estão paradas, só pode ser retaliação”, diz o presidente do sindicato, Aluizio Junior.

Ele esperava aumento da tensão para o fim do mês, quando os pagamentos de janeiro serão feitos, mas o processo foi antecipado por entrevista do diretor de Gestão da Casa da Moeda, Fábio Rito Barbosa, ao canal Globonews, falando sobre reestruturação da companhia e privatização.

Parte do programa de desestatização do governo de Jair Bolsonaro, a Casa da Moeda vem passando por um processo de reestruturação desde 2017, o primeiro de uma série de três anos de prejuízo —causado, naquele ano, pela perda de R$ 1,4 bilhão em receita com o fim dos selos de controle e bebidas alcoólicas.

Escalado pelo ministro Paulo Guedes (Economia) para a tarefa de arrumar a estatal, Sampaio substituiu os integrantes do comitê de elegibilidade da empresa para aprovar a nomeação do amigo Saudir Luiz Filliberti e de Rito para cargos de diretores, após rejeição por “ausência do preenchimento de requisitos” para os cargos.

A Casa da Moeda não respondeu aos pedidos de esclarecimentos sobre a comissão para investigar mobilizações.

Fonte: Folha de São Paulo

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