Prática, proibida pela Anvisa, estava sendo realizada em hospitais do Rio e de Niterói
RIO — O reaproveitamento de material cirúrgico em procedimentos cardíacos é inadmissível. A afirmação foi feita pela coordenadora institucional da Proteste Associação de Consumidores, Maria Inês Dolci, ao comentar a reportagem veiculada domingo pelo programa Fantástico, da Rede Globo, , sobre o uso irregular de materiais médico-hospitalares.
— Como não há normas para esta reutilização, a prática pode por em risco a saúde e a vida do paciente — completa, lembrando que a técnica é proibida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
De acordo com a reportagem do Fantástico, uma investigação revelou que a Unimed Federação Rio de Janeiro recrutava médicos para que reaproveitassem material cirúrgico em procedimentos cardíacos. O esquema teria sido arquitetado por dois diretores da empresa. A técnica era realizada em seis hospitais particulares de renome: Clínica São Vicente, Copa D’Or, Quinta D’Oor e Hospital Unimed Barra, no Rio; e Casa de Saúde Santa Marta e Hospital de Clínicas, em Niterói. Nestas unidades, foram recolhidos 1.545 itens, alguns cateteres prontos para serem reaproveitados, encontrados no chão, pertos de lixeiras e com resíduos de sangue. Outros tinham uma ponta protegida por um pedaço de canudo de refrigerante.
A Unimed Federação Rio informou, através de nota, que ao ser notificada da investigação, se colocou integralmente à disposição das autoridades e órgãos competentes para esclarecimentos, e iniciou imediatamente a apuração interna das denúncias a fim de tomar as providências previstas na lei. E ressaltou que segue rigorosamente as legislações nacionais e internacionais para utilização de materiais médico-hospitalares passíveis de reprocessamento, assim como a conduta ética estabelecida pelo Sistema Unimed.
Maria Inês diz que, infelizmente, o consumidor não tem como se precaver de ações como esta, pois, pelo princípio da boa-fé, acredita que os procedimentos a que tenha de se submeter são adequados e que há fiscalização por parte do órgão regulador:
— Cabe a atuação firme do Ministério Público e das entidades de classe para apurar se isto não se alastra para outros hospitais e instituições, e coibir tal prática. Em caso de complicações o consumidor deve buscar orientações nos órgãos de defesa do consumidor quanto aos seus direitos.
O Procon-RJ informou ter autuado a Unimed Federação Rio por causa do esquema. De acordo com a autarquia estadual, o artigo 39, VIII, do Código de Defesa do Consumidor (CDC) proíbe a oferta no mercado de qualquer produto em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes.
A Unimed Federação Rio tem 15 dias úteis, contados a partir do recebimento da notificação, para apresentar a sua defesa ao Procon estadual. Caso o prazo expire ou os argumentos não sejam aceitos pelo setor jurídico do órgão de defesa do consumidor, a operadora será multada. O valor máximo, previsto pelo CDC, chega à casa dos R$ 9 milhões.
Procurada pelo O GLOBO, a Unimed do Brasil, que representa institucionalmente o Sistema Unimed, afirma dedicar “todos os esforços para que seus colaboradores e médicos cooperados ajam de acordo com padrões de conduta ética, respeitando a legislação vigente e o Pacto Empresarial pela Integridade e Contra a Corrupção, do qual é signatária.” A Unimed do Brasil ressalta ainda que contribui ativamente com investigações ligadas a práticas irregulares de órteses, próteses e materiais especiais (OPMEs).
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Em nota, a Unimed-Rio esclarece que cada cooperativa do Sistema Unimed possui gestão administrativa autônoma e independente, garantida pela Lei nº 5.764/197. E, por isso, possui atuação independente da Unimed Federação Rio. “A Unimed-Rio é uma cooperativa que atua como operadora de planos de saúde, enquanto a Unimed Federação Rio não comercializa planos de saúde, nem tem clientes vinculados, pois tem o papel de gerenciar as relações e prestar serviços para as cooperativas da Unimed no Estado do Rio de Janeiro”, completa a nota.
Também citado na reportagem, o Hospital Unimed-Rio informa que não integra o Programa de Alto Custo (PAC) da Federação das Unimeds do Estado do Rio de Janeiro para os procedimentos de eletrofisiologia destacados na matéria. O Hospital Unimed-Rio informa ainda que segue rigorosamente as legislações da Anvisa para materiais médico-hospitalares passíveis de reprocessamento, repudia veementemente qualquer conduta contrária às normas vigentes e tomará todas as medidas cabíveis para assegurar o cumprimento das boas práticas.
Em notas enviadas ao programa da Rede Globo, alguns hospitais negaram utilizar a técnica de reaproveitamento de materiais.
Cardiologista denuncia esquema
A investigação da Subsecretaria de Inteligência do Rio foi baseada na denúncia de um cardiologista envolvido, que se arrependeu e denunciou o esquema. Em um e-mail enviado a colegas, Luiz Eduardo Camanho disse se sentir aliviado de não fazer mais parte do esquema.
“A partir de agora não precisarei mais participar daquele esquema perverso”, dizia na mensagem, que deu início à investigação.
Todos os envolvidos no esquema — entre eles 19 médidos e os representantes do plano — foram denunciados esta semana à Justiça. Eles responderão por organização criminosa e adulteração de produtos medicinais, podendo pegar até 20 anos de prisão caso sejam condenados por todos os crimes. Em notas enviadas ao programa da Rede Globo, alguns hospitais negaram os crimes.
Fonte: Globo online