A Zappos já fez história sendo o local no qual dois de seus clientes casaram. Agora, inovando ainda mais, ela aplica um conceito totalmente diferente e inovador de gestão, a holocracia.
Quando 14% dos seus funcionários decidem deixar voluntariamente a sua empresa de uma vez, a maioria das organizações apertaria o botão de pânico. Mas para a Zappos, um e-commerce de calçados e moda de rápido crescimento, o 30 de abril de 2015 representou um ultimato para que os colaboradores optassem por abraçar uma mudança organizacional maciça, chamada “holocracia”, ou por receber um dividendo atrativo e deixar a empresa . 210 funcionários escolheram partir.
A mudança mais recente que a Zappos tem lutado para implementar, ao longo dos últimos três anos, é a sua mudança para uma estrutura organizacional chamada holocracia. Inicialmente concebida pelo auto-descrito ”CEO em recuperação” Brian Robertson, a holocracia é um sistema de autoridade distribuída – um conjunto de “regras do jogo ” que colocam o empoderamento como núcleo da organização.
Pense nisso como o funcionamento de uma organização sem a clássica estrutura de “comando e controle”, encontrada em muitas das organizações de hoje. Em uma holocracia, a autoridade e tomadas de decisão são distribuídas por equipes auto-organizadas, ao invés de estarem no topo de uma hierarquia. Como resultado, você poderia esperar uma organização mais flexível e ágil – uma que é construída para lidar com mudanças constantes, ao mesmo tempo em que cria uma cultura de empoderamento. Essa cultura distinta faz com que seja muito difícil para qualquer concorrente replicá-la.
Desde que ingressou na Zappos, com 27 anos de idade, o CEO Tony Hsieh tinha estabelecido uma estratégia única para o varejo on-line. A Zappos é mundialmente famosa por ter estabelecido padrões mínimos de qualidade quando se trata de serviço ao cliente. Muitos, inclusive Tony, já disseram que ela é uma “empresa de atendimento ao cliente que, por acaso, vende sapatos e roupas”.
A experiência do cliente Zappos é tão única e personalizada que todos que fazem negócios com eles não conseguem parar de falar disso.
Para entregar o fator “wow” (nas próprias palavras da Zappos) aos seus clientes, a forte equipe de 600 empregados de Lealdade ao Cliente que cuida dos telefones, e-mail e linhas de bate-papo, não é um call-center qualquer. Eles não seguem scripts ou manuais. Eles são, provavelmente, a equipe de atendimento ao cliente com maior autonomia em toda a indústria – e isso funciona maravilhosamente bem!
Desde seus primeiros dias na Zappos, Tony sabia que qualquer um poderia montar uma loja online e vender sapatos. Um serviço incrível, no entanto, tornou-se uma ocorrência cada vez mais rara, com muitas organizações enxergando serviço ao cliente como um custo, não um ativo. Ele sabia que ter um serviço incrível é algo que não pode ser facilmente replicado pelos concorrentes. A estratégia funcionou e impulsionou a Zappos para mais de US$ 2 bilhões em receitas anuais, em apenas alguns anos.
Então, como entregar “wow”?
Tony sempre foi claro sobre isso – é questão de ter a cultura certa.
Desde seu início, Tony tem focado na construção de uma cultura que inclui diversão, criatividade, receptividade à mudança, aprendizagem, entre outros. Para moldar a cultura Zappos, Tony sempre cultivou uma forte cultura de experimentação na empresa. Ele foi pioneiro em dezenas de práticas por meio de “hacks” que foram pilotadas ou totalmente implementadas em toda a organização.
Práticas como pagar US$ 2 mil para funcionários deixarem a empresa depois de receberem o treinamento de novos funcionários fez com que tradicionais gestores de RH entrassem em choque. No entanto, para a Zappos, essa mudança caiu como uma luva e trouxe funcionários de alta qualidade, criando um ambiente trabalho muito bom.
Quando visitei a sede da Zappos, no centro de Las Vegas, no ano passado, o lugar não parecia um escritório, era mais como uma vila. É um ambiente único, onde as pessoas parecem super-animadas com o que fazem e por que fazem. Em um edifício renovado que anteriormente abrigava a prefeitura de Las Vegas, encontra-se um espaço meticulosamente desenhado que realmente traz a cultura da Zappos à vida. É um grande espaço para a colaboração, diversão, e o que Tony chama de colisões (ou encontros imprevistos entre os funcionários).
Os funcionário da Zappos orgulham-se de sua mentalidade colaborativa, muitas vezes ajudando os outros, não importando em qual função ou departamento estão. Eles são guiados por uma missão; Do RH ao pessoal do TI, é tudo questão de entrega o “wow” para os seus clientes, não importa sua função ou posição.
Parece uma organização em que a maioria dos CEOs sonharia em trabalhar. A maioria das organizações com as receitas e tamanho da Zappos são atormentados pela falta de colaboração. Camadas de gestão e burocracia as desacelera, quando o tempo exige mudanças. Então, por que Tony não está satisfeito com a incrível empresa que construiu?
Qual problema a Zappos está tentando resolver com a holocracia?
A resposta para essa questão, creio eu, é vaga, na melhor das hipóteses. Enquanto Tony sempre tenha sido de experimentar e nunca ficar parado, a implementação da holocracia na Zappos é, de longe, a sua maior aposta. A Zappos é a maior empresa a adotar a holocracia. É uma jogada que está escorrendo risco e incerteza, mesmo para uma organização que já atingiu níveis de agilidade que são de dar inveja até mesmo às organizações mais desenvolvidas.
Eu seria negligente se não explicasse o que holocracia realmente significa. Há muitos equívocos lá fora, que se materializaram com o tempo. Com muito crédito para Steve Denning, que tem escrito sobre e dissecado os principais ingredientes da holocracia, aqui estão alguns equívocos comuns sobre holocracia e como eles podem impactar a Zappos.
1. Uma hierarquia super carregada
O primeiro equívoco sobre a holocracia é que ela é não hierárquica. Enquanto a holocracia coloca muita ênfase no consensual, tomada de decisão democrática, é na verdade, uma forma explícita e fortemente hierárquica.
Basicamente, em holocracia, existe uma hierarquia de círculos, os quais e devem ser executados de acordo com procedimentos democráticos detalhados (eles até têm uma constituição muito detalhada por trás dele). Ao mesmo tempo, cada círculo opera dentro da hierarquia. Cada círculo maior indica a seu círculo mais baixo (ou círculos), qual o seu propósito e o que se espera dele.
Se um círculo não satisfaz o objetivo definido pelo seu círculo maior, ele pode ser mudado, reestruturado ou até mesmo abolido.
O que isso pode significar para Zappos é que, por mais que o modelo funcione para certas funções (tais como atendimento ao cliente, por exemplo), ele pode ter problemas em funções que exijam muito mais coordenação e liderança do projeto.
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2. Sem gestores?
Na verdade, as responsabilidades das “funções essenciais” na holocracia, tais como Lead link, Rep Link, facilitador e secretário, são exaustivamente explicados, em detalhes, na Constituição da Holocracia. Qualquer responsabilidade que seja desenvolvida é atribuída a um desses papéis. Sugerir que não existem gerentes aqui é uma mentira.
Essa estrutura pode potencialmente levar a disputa pelo poder e burocracia quando os indivíduos começam a disputar papéis que vêm com um maior potencial e capacidade de tomada de decisão. Não ter gestores, certamente não significa que não há pessoas que buscam posições de poder.
3. Apenas siga o manual
Cada círculo deve ser executado de forma democrática e aberta, enquanto governado com procedimentos detalhados sobre como coisas como reuniões devem ser geridas e como as decisões devem ser feitas.
Nós sabemos como manuais e scripts podem ser desempoderadores. Hoje, a Zappos oferece aos seus funcionários uma autonomia incrível para que eles sejam capazes de fazer o que é certo para o cliente (volta para a entrega do “wow”). Hoje, a maioria das decisões são guiadas por princípios simples e seguem os dez valores fundamentais da Zappos. Como manuais e processos de holocracia vão orientar as decisões?
Será que ainda vai ser simples? Será que eles vão continuar se concentrando no prêmio – o seu cliente?
4. E o cliente?
A palavra cliente ou referências a qualquer mecanismo de feedback do cliente não aparece uma única vez na Constituição da holocracia.
Isso não quer dizer que os membros de qualquer círculo deixam de sentir uma “tensão” de fracasso em atender às necessidades dos clientes. No entanto, o foco explícito da Constituição da holocracia é totalmente interno. O cliente simplesmente não está na foto.
Em uma organização onde até mesmo o CEO gasta tempo respondendo chamadas de serviço ao cliente, em períodos de pico, como a Zappos vai continuar aprimorando sua vantagem competitiva e permanecer em contato direto com um cliente, em uma dinâmica de constante mudança?
Enquanto o júri está fora, a holocracia pode fazer maravilhas para a Zappos e outras organizações que optam por adotá-la. É muito claro e explícito onde Tony Hsieh gostaria de levar a Zappos. Ele está apostando a empresa nisso.
Como uma empresa que está continuamente em mudança e experimentação, a Zappos tem uma cultura resiliente com muitas pessoas de mente aberta que realmente se importam com a empresa. Há poucas dúvidas de que, se qualquer organização estava preparada para essa mudança, essa empresa seria a Zappos.
No entanto, essa transformação radical, sem dúvidas, não foi a melhor escolha para todos que a tentaram implementar, fazendo com que alguns indivíduos parassem no meio do caminho (como eu tenho certeza que alguns outros também farão nos próximos meses).
A realidade é que nenhum modelo vai ser perfeito para qualquer organização. Ainda não está claro o que Tony está realmente tentando resolver com essa grande aposta.
Será que ele quer mais agilidade? Ele já tem isso. Felicidade? A empresa ganhou mais prêmios de “melhor lugar para se trabalhar” do que qualquer outra em sua indústria. Faturamento? Há maneiras mais fáceis de gerar receita do que mudar uma cultura.
Talvez Tony veja algo que está muito abaixo da superfície. Algo com um significado mais profundo que tem o potencial de dar forma a como trabalhamos?
Seja qual for a razão, todos nós devemos a ele uma dívida de gratidão por ser um visionário e mostrar a outros líderes que, de fato, existem maneiras de fazer as coisas de forma diferente.
O post original você confere aqui.
Texto publicado no site da Endeavor.
Fonte: EXAME